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Matheus Pichonelli

Doria x Goldman e outros barracos públicos que fariam inveja ao BBB

Matheus Pichonelli

10/10/2017 04h00

Facebook / Reprodução

Facebook / Reprodução

Atire a primeira indireta de Facebook quem nunca tropeçou na timeline com aquela frase do tipo "Se sua estrela não brilha, não tire o brilho da minha".

Indireto ou não, o recado, o bom recadinho, é marca da vida em rede. O problema é quando a galera das tretas privadas e virtuais resolve se candidatar a cargos públicos – e se elege. Funciona mais ou menos assim: o sujeito fala o que quer, ouve o que não quer, e a resposta é um vídeo supostamente olho no olho, gravado a quilômetros do alvo, para minar a fúria do desafeto.

"Improdutivo", "fracassado", "você vive de pijamas pela casa". Parece paredão de reality show, mas é só o prefeito da maior cidade do país, ex-apresentador de TV, mandando um recado, um bom recadinho, para um ex-governador. Os gestores da metrópole parecem desconhecer a máxima – quase facebookiana – de Roberto Bolaños, o criador do Chaves: "A vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena".

Chega a dar um frio na barriga quando a vaidade que move a política e o botox ultrapassa a linha do recomendável e penetra o campo da patologia. Ninguém minimamente atento pode se dar ao luxo de dormir tranquilo quando as lideranças que deveriam inspirar autocontrole são as primeiras a demonstrar destempero – em tempo, João Doria e Alberto Goldman são da mesma legenda.

Quem olha de longe pode pensar que inauguramos um novo tipo de barraco na política partidária. Não que não dê para piorar (e muito) mas, compartilhado ou não, o barraco é antes uma instituição política do que uma consequência da vida em rede.

Há uma lista deles em nossa história recente. Tempos atrás, ao responder aos ataques de colega Pedro Simon, o senador e ex-presidente Fernando Collor fez talvez o discurso mais marcante de sua vida pública: "São palavras que eu não aceito, e que quero o senhor as engula e as digira como julgar conveniente. Esta Casa não pode e não haverá de se agachar ao interesse da mídia, que deblatera, como o senhor deblatera, parlapatão que é". Desde então as palavras parlapatão e deblaterar ganharam asteriscos no dicionário.

Outro vídeo famoso é o do bate-boca, no Roda Viva, entre o ex-governador Orestes Quercia e um jornalista, chamado pelo ex-cacique do PMDB, furioso, de "mentiroso e caluniador".

Isso no tempo em que a turma do deixa-disso não precisava entrar em campo para evitar as vias de fato em prévias de partidos e discussões parlamentares. Coisa fina.

A verdade é que não tem noticiário que resista a uma boa treta, mais ou menos como nos tempos de escola, quando o amigo do fundão fingia apaziguar os ânimos fazendo jogo duplo: "vai deixar ele falar assim?". O resultado era um pega-pra-capar na saída.

No esporte, são notórios os barracos alimentados sobre os grandes astros – e pelos motivos menos nobres. O mais recente, que quase gerou uma crise diplomática entre Brasil e Uruguai, foi o desentendimento entre Neymar e Cavani no PSG sobre quem deveria bater um pênalti – um dos muitos que a vida promete dar à dupla de craques milionários. Na ocasião, foi noticiado, após um exercício profundo de checagem, que um (pasme!) até deixou de seguir o outro no Instagram.

Já não se fazem ídolos como antigamente, poderia pensar o leitor esquecido das trocas públicas de sopapos entre Romário e Edmundo, craques do mesmo time. Certa vez, em uma entrevista, Edmundo reclamou das mordomias do colega do Vasco e o chamou de "príncipe da corte", em uma referência ao "rei" Eurico Miranda, poderoso presidente do clube. Romário respondeu após uma vitória da equipe: "A corte está feliz agora. O rei, o príncipe e o bobo". (O leitor pode dizer que, diferentemente dos políticos acima citados, Romário ganhou praticamente sozinho uma Copa do Mundo e tinha direito de dizer o que quisesse, no que serei obrigado a concordar).

Engana-se, porém, quem imagina que o barraco seja um produto nacional, tal qual a jabuticaba. Anos atrás, dois dos maiores gênios da música, John Lennon e Paul McCartney, rasgaram em público o uniforme de bons moços britânicos agraciados pela Rainha após o fim dos Beatles. "Você pegou a sua oportunidade e a partiu ao meio", cantou Paul na música "Too Many People". John não gostou da indireta e respondeu com "How do you Sleep?" (Como você consegue dormir?): "Aqueles estranhos estavam certos em dizer que você estava morto".

Pesado, né? Pois os meninos ingleses, de humor tão refinado, tinham escola (voltamos, agora, à política). Conta a lenda que Winston Churchill, ex-premiê britânico, certa vez ouviu de uma adversária política no Parlamento que, se ela fosse casada com ele, colocaria veneno em seu café. Ele retrucou: "Se eu fosse seu marido eu tomava".

Eram outros tempos, claro, quando os governantes tinham pelo menos a dignidade de trabalhar bêbados – e confrontavam os rivais em uma instância parecida com o tête-à-tête.

A novidade é que agora o barraco é filmado, editado, divulgado e lacrado. Viraliza na sequência sob legendas de cunho bélico. "Fulano humilha beltrano", "Ciclano responde com uma bisnagada homérica", e por aí vai.

Se o ringue político foi substituído por uma conta na rede social, o líder da grande potência mundial se tornou polo produtor e exportador de destempero. Antes de se tornar presidente, Donald Trump, que passou a campanha atacando imigrantes e minorias, já colecionava desavenças no Twitter – o que antes inflou sua popularidade do que o descredenciou para o posto.

A maior delas foi quando a Cher anunciou que não faria mais compras na Macy's após descobrir que o então empresário era garoto propaganda da loja. Trump, acusado pela cantora de usar peruca, correu ao Twitter para dizer que ela "deveria passar mais tempo cuidando da sua família" e prometer que não falaria mais "sobre as suas cirurgias plásticas que não adiantaram nada".

Uma vez eleito, Trump levou ao poder a gestão das caixas altas, dos memes e dos pontos de exclamação. E, como a inspiração da filial brasileira de O Aprendiz, as lavagens de roupa em público se tornaram parte da agenda política.

Sim: o barraco é um patrimônio mundial e histórico, e não tem termômetro melhor da patifaria de sua época.

Sobre o autor

Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.

Sobre o blog

Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.