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Matheus Pichonelli

Qual o maior mico que você já passou pelos filhos?

Matheus Pichonelli

13/10/2017 04h00

Imagem: Personagem do jogo Final Fantasy

Imagem: Personagem do jogo Final Fantasy

 

Eu achava que assistir ao show de um jacaré vestido de Elvis Presley no shopping em pleno feriado era o maior teste de resistência desse negócio chamado paternidade. Isso até descobrir, no final de semana, que estava convocado a participar de uma gincana na escola do meu filho.

O desafio era chegar lá numa segunda-feira de manhã com alguma fantasia. Faltava escolher qual.

-Que tal o Batman?

-Não.

-E uma fantasia do Evair?

-Aquele que você queria me dar o nome? Nem pensar.

-Mas é só colocar aquela camisa 9 e…

-Não.

-E de ciclista?

-Também não. Quero que você vai vestido de CACTO.

Maldito dia em que resolvi entrar na floricultura e trazer um cacto para casa. Virou a planta favorita do menino, além de ter rendido algumas espetadas (leves) no dedo e a inspiração (grave) para a fantasia do pai na gincana.

Não teve negociação.

Segunda de manhã, abri o computador logo cedo, adiantei tudo o que precisava adiantar e aceitei uma carona até a escola para não ser visto pelos vizinhos ou demais usuários do ônibus com uma camisa verde do avesso cheia de espinhos feitos de E.V.A (vou poupar a busca no google: espuma vinílica acetinada). Tudo grudado com fita dupla face e acompanhado pela toca com uma rosa vermelha (também de E.V.A) na cabeça.

Mas fomos. Lá, uma espécie de purgatório entre o pátio e o parque abrigava os adultos vestidos de alguma coisa. Fiquei ao lado de um avô fantasiado de apicultor e um pai com a indumentária de salva-vidas. Éramos os únicos homens de uma turma de mais ou menos 15 pessoas.

Tentava reconhecer as outras alegorias: uma mãe foi de natureza, outra de almofada, outra de flor do campo, outra de abacaxi, outra de ouriço (as costas estavam cheias de prendedor de roupas, e eu só me perguntava àquela altura por que não tive aquela ideia antes). Aos 45 do segundo tempo chegou uma mãe dentro de uma caixa arredondada de papelão e restos de papeis. Era um rolo de papel higiênico. "Estava atrasada e procurei na internet alguma coisa sobre fantasias rápidas", explicou.

Já querendo deitar em posição fetal e chorar até meu filho atingir a maioridade, fui convocado com o restante do grupo a entrar numa quadra e esperar ser chamado pelo microfone de uma das professoras. Era como entrar num programa de auditório – só precisávamos soprar nos ouvidos o que era a nossa fantasia, já que nem todas eram perceptíveis a olho nu.

Cada pai ou mãe fantasiado garantia uma pontuação a mais para as turmas separadas em cores da gincana. Meu filho era do time vermelho. Até que, eu já sem ver nada na frente a não ser uma massa de luzes e bexigas, fui anunciado:

-E COM VOCÊS O PAPAI CACTO!

Foi então que atravessei o ginásio para os gritos e gargalhadas das crianças. Pude reconhecer o menino longe pelo tanto que pulava.

Não digo que não pensava em nada. Àquela altura, preocupado com o horário, só agradecia o bom agouro da mãe que me alertou antes de sair de casa: "Leva uma camiseta por baixo. Vai passar calor, mas se acabar mais cedo e não tiver como te buscar, pelo menos você não vai precisar andar na rua vestido de cacto". Sábias palavras.

No fim, não precisei participar de nenhuma corrida com saco ou arremesso de argola, como imaginava; marcadas a presença e a pontuação, em 20 minutos estávamos dispensados para voltar à vida normal, não sem antes posar para uma série de fotos para a página da escola no Facebook.

Quem observa a foto pode desconfiar que pai e filho alcançaram a plenitude em um abraço naquela manhã de sol ungida pela vergonha. Mal sabem que, ao pé do ouvido, eu dizia uma frase que aprendi com meu pai, que aprendeu com meu avô, que aprendeu com o meu bisavô: "não me pede mais nada até o Natal".

Sobre o autor

Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.

Sobre o blog

Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.