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Matheus Pichonelli

Top, sextou, gourmet e outras expressões que precisamos aposentar em 2018

Matheus Pichonelli

01/11/2017 04h00

Esperto é o Wesley Sabadão, que transformou a expressão da moda em sucesso

Esperto é o Wesley Sabadão, que transformou a expressão da moda em sucesso

 

 

Graciliano Ramos chamava de crime confesso de imprecisão palavras que poderiam ser substituídas por quaisquer outras e não diziam absolutamente nada. Como, por exemplo, "algo". Não viveu para ver o reinado do "top", que provocou uma carnificina entre os adjetivos que antes nos ajudavam a mensurar nosso entusiasmo com ensaios filosóficos a projetos políticos, passando por sabores de sorvete, destinos turísticos ou disposições afetivas.

De tão usado, "top" virou sinônimo de "não sei o que dizer, então vou dizer o que todo mundo diz". É hora de agradecer os serviços prestados e dar a esta e outras expressões topzeras um descanso merecido. A elas:

Pós-verdade

Sempre teve o meu apoio. No começo, afinal, não era exatamente a definição de uma mentira com outras palavras, e sim de uma verdade ignorada por convicção política, religiosa, literária etc. Mas ficou tão comum que virou carne de vaca. Passada a novidade, hoje já podemos substituir por "teimosia", em casos leves, ou "delírio", para casos graves.

Gourmet

A sofisticação da simplicidade parecia uma boa ideia até provocar impacto nos índices de inflação para consumidor amplo, puxados pela alta dos preços na brigaderia e da salsicharia. Em tempos de crise, passa a ser válida apenas caso o consumidor seja informado com um grande asterisco na embalagem: "Leve o mesmo pelo dobro do preço".

Diferenciado

Todo mundo usa. Já não diferencia nada nem ninguém.

Startar

Legenda autoexplicativa. Não devia nem ter startado.

Sinergia

Não é de hoje, mas provavelmente nunca foi tão usada para justificar a ampliação de tarefas individuais com cortes coletivos de despesas, funções e departamentos. Era mais bonita quando chamada de sucateamento.

Descontinuar

Cortes, interrupções, términos, demissões. O fim já é doloroso demais para alguém ter a ingenuidade testada uma hora dessas.

Precisamos falar sobre

Precisamos falar sobre o precisamos falar sobre. Fazia sentido quando o filme "Precisamos falar sobre Kevin" desgraçava cabeças e mentes em 2011. Mas o personagem era um assassino em série, e precisava mesmo ser compreendido para evitar tragédias semelhantes. Hoje a cópia do título só serve para provocar a culpa nos leitores que sabemos que não lerão nossos textos.

Apostar no novo

Quer apostar no novo, aposte. Mas tem que ser um novo-raiz, um novo-futebol-arte, um novo-moleque, não esses remendados com botox ou filtros do Instagram que já eram velhos no governo Sarney. Experiência, amigos. Não precisamos nos envergonhar dela.

Meritocracia

Sugiro que a expressão seja suspensa até que ninguém precise se trancar em casa no dia do Enem para fugir de tiroteio entre traficantes da comunidade. Até lá a expressão pode ser usada apenas no módulo ironia em levantamentos da árvore genealógica de parlamentares e herdeiros de impérios econômicos em um dos países mais desiguais do Planeta.

Agregar valor

Entregue o que foi combinado. O resto é bônus. Valor se conquista na base, não se agrega pelas beiradas. Em outras palavras: quer me agradar, me pague uma cerveja.

Disruptivo

A expressão, que deveria indicar uma revolução tecnológica a suplantar uma outra, pode ficar em banho-maria até que realmente algum novo aparelho seja inventado para de fato mudar nossas vidas – tipo um substituto para os celulares ou os automóveis. Fora isso, é só conversa para vender a nova versão do que já está ficando velho.

Doutrinação

Ok, vai ser ano de eleição, mas que tal voltar a chamar as outras visões de mundo de "contrapontos"?

Narrativa

Um girafa cai na cabeça de alguém no meio da avenida principal. Contemporânea da pós-verdade e da fake news, a disputa pela "narrativa" denota que está em jogo uma "forma" de contar uma história e seus interesses por trás dela. A girafa caiu ou foi caída? A vítima provocou o acidente? Faria melhor se estivesse em casa? O que ela já postou sobre girafas nas redes? É hora de dar um basta nisso e dizer aos desconfiados: UMA GIRAFA CAIU NA CABEÇA DE ALGUÉM. O que mais pode importar nessa história?

Jogar sem a bola

Fãs de futebol, e não da cronometragem da posse de bola, entenderão.

Saber sofrer

Fãs de futebol, e não da cronometragem da posse de bola, entenderão (2).

Serenidade

Estamos em 2017 a caminho de 2018, amigo. Nos olhos dos outros é pimenta.

Foco

Tenta a sorte. Mas desligue antes as notificações do celular.

Legado

Apenas três palavras: sete a um.

Sextou

Sério. Só parem.

Fazer um print

Ok, essa não é de hoje e é pura implicância minha. Só queria aproveitar o ensejo para dizer: apenas imprimam. E imprimam pouco, porque árvores foram retiradas de seus familiares para você "fazer print" de qualquer bobagem que poderia permanecer na tela do seu computador.

Doravante

Expressão ainda em voga em boletins de ocorrência e sessões do STF – ambos recorrentes em 2017. Deveria ter sido descontinuada em 1817.

Sobre o autor

Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.

Sobre o blog

Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.