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Matheus Pichonelli

Aproveite a festa de fim de ano. Pode ser a última após a eleição de 2018

Matheus Pichonelli

20/12/2017 08h00

 

Trabalhar com noticiário político, ainda que por alguns meses na vida, é ganhar para a vida toda um selo de vidente na testa. Nos círculos pessoais, basta dar dois segundos de bobeira para alguém te chamar num canto e perguntar o que você acha que vai acontecer em outubro; quem vai ser eleito, com que bandeira, onde vamos parar com tanta sujeira. É mais ou menos como perguntar para o cronista esportivo o placar do próximo jogo — ok, esse exercício de adivinhação é recorrente nos programas de mesa redonda, mas vamos combinar que não é exatamente um trabalho jornalístico, baseado no princípio da apuração e relato dos fatos (algo no passado e não no futuro, portanto).

Das conversas sobre política, a pior parte é saber que, em 90% dos casos, o interlocutor só quer mesmo referendar uma opinião já formada. Apenas um em cada cem não termina o raciocínio dizendo "que nojeira, não?". Do outro lado, resta concordar bovinamente se quiser terminar o jantar em paz.

Dias atrás, um conhecido de um conhecido me perguntou, em tom grave, a minha opinião sobre a "palhaçada" do dia 24 de janeiro. Afastado do noticiário, sem muito ânimo ou paciência para ler o caderno de política até a segunda página, demorei para me tocar que se tratava do dia do julgamento do ex-presidente Lula. Nessas horas é preciso saber como apita o interlocutor. Ainda que você não tenha opinião sobre nada, será fatalmente acusado de defender um dos lados da história — antes eram basicamente dois, hoje ninguém mais sabe.

A conversa durou dez minutos, tempo que levei para demonstrar minha total incapacidade de opinar sobre o tema, e até agora não sei se a indignação do sujeito estava relacionada ao julgamento em si ou à mobilização dos defensores do petista para a ocasião.

Por mais que a gente tente fugir, o assunto "eleições 2018", geralmente acompanhado pelo hino do desamparo à la Chapolin ("ó, e agora quem poderá nos defender?"), surge agora onde menos se espera. Não é mais conversa de bar, mas de vizinho de casa, de esteira, de elevador, de baia, da fila para o fast food ou do feed de Facebook.

O que nos leva a quebrar o compromisso de só comentar os fatos quando estão consumados e nos permitir um exercício simples de adivinhação: na melhor das hipóteses, sairemos mais uma vez divididos das urnas; na pior, sairemos fragmentados.

E por que alguém resolveu falar sobre isso num espaço já dedicado a temas mais nobres?

Porque estamos às portas de 2018, faltando pouco para as reuniões de amigos e familiares de fim de ano, e é preciso alertar: viva este momento como se fosse o último – para a maioria, de fato será.

Para o ano que vem não temos qualquer garantia de que aquele abraço fraterno nos minutos finais de 2017 se repita em 2018. Eleitores do candidato ou candidata vitorioso (ou vitoriosa) serão cobrados diariamente por qualquer unha encravada que surgir no dedão do tio da vizinha até 2022.

A coisa chegará a tal ponto que já podemos visualizar, a partir do ano que vem, cenas natalinas do tipo:

"O meu amigo secreto é a favor dessa corja no poder".

"E o meu amigo secreto tem aversão a pobre e à soberania popular"

"O meu amigo secreto tem uma dieta à base de mortadela".

"O meu já tem coxinha saindo pelo nariz".

"O meu compartilha fake news e acredita que a terra é plana".

"O meu divulga mensagem de força, fé e foco mas fez força, focou e torceu para meu candidato morrer".

"O meu não tem apreço às estruturas fundamentais da Democracia".

O mais provável, porém, é que as festas sejam canceladas em 2018 até que todo mundo tenha lambido as feridas depois da apuração das urnas, se ainda existir urna até lá, enquanto os candidatos mesmo, objetos de tantas paixões, seguirão reunidos em gabinetes na passagem do ano costurando acordos e coalizões improváveis em nome da governabilidade.

Até lá, não faria mal aproveitar o espírito natalino, enquanto ainda existir, para botar em prática, de preferência em forma de tatuagem ou placas de caminhões, um mantra que se tornou clássico dos memes do Facebook: é preciso amar as pessoas como se não houvesse eleição. Ou não.

Sobre o autor

Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.

Sobre o blog

Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.