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Matheus Pichonelli

A vida em rede despertou o adulto infantiloide que vivia em nós

Matheus Pichonelli

17/07/2018 04h00

Foto: Getty Images

Faz mais ou menos 15 anos que criei minha primeira conta em rede social (sdds Orkut) e até hoje me impressiona a maneira como as pessoas conseguem manifestar em público sua baixa capacidade privada de enfrentar seus conflitos como adultos. É como se, desde a invenção dessas plataformas, pudéssemos ler as nuvens de pensamento alheio, sobre os quais temos níveis de interesse ou curiosidade próximos de zero. Ainda assim, seguimos.

A impressão é que, quando somos contrariados ou nossa carência atinge um nível próximo do reservatório da Cantareira, somos todos bebês em fase oral. Diante do alto-falante da timeline, não nos constrangemos (pelo contrário) em chorar, berrar, espernear e pedir colo.

A novidade, nem tão nova assim, é que todos na rede são mais ou menos assim, mesmo aquele vizinho que, de terno e gravata, parecia tão sob controle quando trocávamos apenas bons dias.

Como diria o poeta: a indireta no Facebook nunca é plena, mata a alma e a envenena.

A verdade é que, na idade que for, temos dificuldade em agir como um adulto sem precisar fingir que estamos agindo como se espera de um adulto.

Falo isso com a autoridade de quem, até muito pouco tempo, mobilizava a preocupação de amigos e familiares depois de sair de casa batendo portas. Tenho a péssima mania de sair andando quando estou revoltado, principalmente quando a revolta tem razão de ser.

Com a terapia, tenho tentado deixar sempre muito claro o que me incomoda antes que o incômodo se transforme num bolo estomacal de irritação prestes a explodir.

Não é fácil.

Controlar a raiva exige uma dose extra de paciência depois que passamos a circular com os filhos pelo mundo. Nessas incursões, nada é mais irritante do que a mania dos adultos de falar com crianças como se elas fossem idiotas, e não apenas crianças.

Se você quiser saber quem é a criança e quem é o adulto em uma conversa, repare em quem está falando com a voz anasalada e profusão de diminutivos. Este será o adulto.

Dias atrás, observei um adulto das minhas relações numa conversa do tipo com meu filho. A pessoa, aparentemente, estava chateada por não ser mais chamada para os eventos em casa com tanta frequência. Mas achou melhor demonstrar o incômodo para a única pessoa da casa que ainda tomava leite na mamadeira.

Precisei interromper a conversa para explicar que o interlocutor tinha apenas quatro anos e não entendia, ainda, indireta. Não lembro de ter usado um tom acima ou qualquer outra expressão desabonadora, mas a censura foi o suficiente para provocar uma hecatombe, diariamente despejada em redes sociais com a hashtag #paz. Aparentemente, eu era a pessoa que, incapaz de fazer minha estrela brilhar, estava engajado em sequestrar as luzes alheias.

Tenho dúvidas se essa infantilização tardia é parte do DNA nacional. Mas há evidências quase científicas de que, em outros lugares do Planeta, se o colega de trabalho pergunta se você pode trocar de horário com ele e você, sabendo que vai se estropiar, disser "não posso, tenho planos", o assunto estará imediatamente encerrado.

Por aqui há sempre um MAS POR QUÊ? E você será, então, obrigado a buscar um grande porquê em uma prateleira de parentes que você ainda não matou e terá, veja só, que pena, de levar até o hospital para uma cirurgia bem naquele horário.

Seria até engraçado se esse nosso DNA infantil não pautasse também as mais sérias discussões públicas. O problema de uma nação composta por crianças crescidas, e portanto ainda vulneráveis, é que há sempre um espertalhão travestido de juiz dizendo que, se não obedecermos, vamos ficar de castigo e tomar palmadas.

Crianças, até certa idade, não têm repertório ainda para tomar decisões a partir de dados e informações. Apenas acreditam em que jura ter conhecimento.

O mesmo acontece com o adulto quando entrega suas decisões – o que deve fazer, sentir e pensar – a algum guru.

Invejamos, então, os países que conseguem levar ao debate público números, evidências e embasamento para pautar debates complexos, como o aborto na Argentina. Por aqui, as crenças e convicções ainda são pedras angulares à frente dos problemas e são constantemente arremessadas sobre quem nos contraria. Fechamos os olhos, a boca e as narinas e cantamos LALALALALALALALA esperando que o problema, como um dinossauro, desapareça da sala.

Tá dando super certo.

Sobre o autor

Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.

Sobre o blog

Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.