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Matheus Pichonelli

Vice de Bolsonaro ofende mães solo ao associar seus filhos a "desajustados"

Matheus Pichonelli

18/09/2018 04h00

Foto: Danilo Verpa/Folhapress

O general da reserva Hamilton Mourão, candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro (PSL), afirmou, em encontro com representantes do sindicato do mercado imobiliário, que famílias pobres "sem avô e pai, mas com avó e mãe" são uma "fábrica de elementos desajustados" prestes a serem recrutados pelo tráfico.

Poderia estar falando da seleção brasileira de futebol, que tinha seis dos 11 titulares na última Copa abandonados pelos pais. Mas não: segundo ele, a criminalidade aproveita a "crise dos costumes" e o "ataque cerrado à instituição da família" – duas críticas bizarramente atribuídas por grupos conservadores ao movimento gay – para seduzir jovens na periferia.

"A partir do momento em que a família é dissociada, surgem os problemas sociais. Atacam eminentemente nas áreas carentes, onde não há pai e avô, mas sim mãe e avó", disse.

A associação entre a criminalidade e a ausência da figura masculina não é só ofensiva a mães e avós que se desdobram para trabalhar e criar filhos sem a participação (e a pensão, em muitos casos) dos pais. Ofendem a inteligência.

No Brasil, 40% dos lares são chefiados por mulheres – 12 milhões delas não têm cônjuges para dividir as tarefas.

Nas contas do candidato a vice, apenas 60% dos brasileiros estão imunes às investidas do crime graças à presença paterna. Faz sentido?

A declaração do vice de Bolsonaro é mais um capítulo da série de manifestações que ajuda a explicar a rejeição do eleitorado feminino ao candidato.

Quase metade (49%) das eleitoras se nega a votar em Bolsonaro, que se gaba de ter quatro filhos homens, mas que na quinta deu uma "fraquejada" e nasceu uma mulher; que atribui mortalidade infantil às mães que "não dão bola à sua saúde bucal"; que disse a uma deputada adversária que ela só não merecia ser estuprada porque era "feinha"; que justifica a escolha do empresário de não dar trabalho a mulheres por causa da licença-maternidade; que associa homossexualidade a "falta de porrada" ou educação dos pais; que tem medo de o filho brincar com boneca dentro de casa. (Já pensou se a brincadeira vira incentivo a ajudar a trocar fraldas e fazer o jantar depois de adulto?)

Vice de Bolsonaro, Mourão parece competir com o titular da chapa sobre quem profere mais ofensas a minorias sem basear a opinião em fatos.

Dias atrás, o homem que defende uma nova Constituição sem a participação de eleitos pelo povo ligou os problemas do país à indolência dos indígenas e à malandragem dos africanos. Isso talvez explique a promessa do chefe de não demarcar 1 centímetro de terra para indígenas e quilombolas se for eleito.

Com tanta manifestação pública de ofensas gratuitas e desconexão com a realidade, não espanta que Bolsonaro seja tema de uma página com mais de dois milhões de mulheres que o rejeitam – uma página que precisou ser alvo de hackers, Fake News e outras desonestidades promovidas por quem defende a honestidade do "mito", a quem desejamos (vale dizer) pronta recuperação do ataque covarde sofrido durante um ato de campanha.

O que espanta é que quase um terço da população tenha a intenção de votar em um candidato que, se tiver as propostas torcidas e retorcidas, consegue apenas esboçar ideias para matar e esfolar pessoas em um país já assolado pela violência.

Se quiser ganhar o voto das mulheres sem ajuda de hackers, é recomendável à dupla Bolsonaro-Mourão um pouco mais de respeito com quem trabalha em média 7,5 horas a mais que os homens por semana e batalha para criar os filhos em um país onde apenas os pais são autorizados e incentivados a fugir da responsabilidade.

Caso queiram saber como funciona esse jogo assimétrico de forças, um programa recomendado é o filme que o estudante de Artes Visuais Alexandre Mortagua pretende lançar. A obra é inspirada na relação com seu pai, o ex-jogador Edmundo, que o abandonou quando tinha quatro anos. Edmundo (quem diria?) é apoiador declarado de Bolsonaro.

Sobre o autor

Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.

Sobre o blog

Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.