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Matheus Pichonelli

O ano é 2026: Bolsonaro ganhou a guerra e o Brasil virou um pasto

Matheus Pichonelli

04/06/2020 04h00

Faz mais ou menos seis anos que a resistência miou.

Como uma roupa larga que veste pernas de tamanhos diferentes, os movimentos que se autodeclaravam 70% diminuíram à medida que as defecções surgiam em manifestos e notas de repúdio. Primeiro foram expulsos os que cantaram o hino em 2013. Depois, os que se dividiram no impeachment de Dilma Rousseff. O racha seguinte se deu em torno do apoio da Anitta, do Felipe Neto e da Xuxa. E também entre os que diziam biscoito em vez de bolacha.

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Quando faltou um acordo mínimo sobre se o Romário deveria ter sido convocado para a Copa de 2002, os apoiadores de Felipão logo foram tachados de terraplanistas de prancheta. Também deixaram o movimento.

Em poucas semanas, o que tinha tudo para virar uma maioria contra o presidente que perdia a vergonha de citar Mussolini em público virou uma multidão pulverizada em traços percentuais.

Com os 30% que seguiram confiantes nas migalhas ideológicas lançadas no Twitter pelo capitão, não uma boiada, mas um trator tunado passou a mil pela avenida como havia passado a portaria que ampliou o limite da compra de munição para os detentores do selo "cidadãos de bem".

Aos poucos, tudo o que Jair Bolsonaro esbravejou na reunião patriótica de 22 de abril aconteceu. Com sete anos de gestão, Abraham Weintraub ainda não conseguia escrever educação com c e cedilha, mas pôde realizar o sonho de prender 11 ministros do Supremo e todo mundo que ousou enviar ordem judicial para conter a disseminação de ódio, ameaças e calúnias que os brasileiros legítimos chamavam de liberdade.

Armado, o povo deixou de ser escravizado, inclusive por vizinhos incomodados por picuinhas como limite de velocidade, assédio ou lei do silêncio.

Guardas e forças policiais de estados e municípios passaram a ser recebidos a bala por quem não precisava de auxílio emergencial para comprar a própria proteção e fazer de suas casas, seus carros e sua vizinhança o território de suas leis particulares.

A bala e o vírus competiam nas estatísticas macabras das mortes no país.

Bolsonaro resolveu o problema distribuindo cloroquina no leite branco e deixando de divulgar os números que só serviam para reduzir à míngua o moral dos compatriotas na luta contra o comunismo e o politicamente correto. 

O mesmo aconteceu com os índices de desmatamento, que passaram a ser divulgados como dados positivos e não-ideológicos em PowerPoints que reuniam em blogs aliados os números de PIBs privados, os gols da rodada e o resultado do concurso das máscaras patrióticas mais bonitas da nação.

Felipe Melo, ex-volante nomeado ministro dos Esportes Viris, se converteu em porta-voz do movimento que acusava os brasileiros de pouca fé por fazerem do Brasil o único país do mundo onde os familiares seguiam adoecendo pelo coronavírus. Quem se contaminou, dizia a campanha, era porque não torceu o suficiente e merecia uma chuteirada na fuça. 

As medidas, de fato, conseguiram mudar os ânimos e a cara do país.

Nas escadas rolantes, os poucos que ainda usavam transportes coletivos privatizados não eram mais orientados a manter a esquerda livre para a passagem. Havia apenas a direita e a extrema-direita do corredor.

Ninguém mais ensinava ideologia de gênero nas escolas porque os professores que sobreviveram à pandemia foram presos ou saíram do país. O projeto Ame-o ou Deixe-o não encontrou interessados.

Os radares de controle de velocidade desapareceram das estradas sob a justificativa de que a indústria da multa não poderia desacelerar o progresso nem a passagem dos bois. As cadeirinhas voltaram a ser permitidas para conter a epidemia de bebês arremessados nas colisões. Com uma condição, imposta pela ministra Damares Alves, que agora era responsável também pela PF, a Polícia da Família: meninas deveriam trafegar em cadeirinhas rosas e meninos, em azuis.

Como sugerido por Paulo Guedes na histórica reunião de 22 de abril, que passou a ser celebrada como nosso segundo dia da independência, os 300 jovens que sobreviveram à pandemia ajudaram a reerguer o Brasil fazendo ginástica, cantando o hino e batendo continência durante o dia e, à tarde, aprendendo a ser cidadãos, usando o tempo construtivamente e abrindo estrada por R$ 200 ao mês.

Desde então, quem dissesse que Mao Tsé Tung pensou coisa parecida na China comunista poderia ser incriminado como terrorista – assim foram enquadrados todos os sobreviventes do país que de vez em quando iam para as ruas dizer que, veja lá, veja bem, desculpa tocar no assunto, mas não estamos felizes.

A tristeza no Brasil passou a ser corrigida com botina. Incansável, aos domingos Bolsonaro não deixou de participar de uma manifestação sequer de aliados pedindo intervenção ou fechamento de alguma coisa. Primeiro, do Congresso; depois, do STF, passando pelo Detran, o Inmetro, o Globo Rural, as filas do Beto Carrero World e outras demandas expostas em faixas que totalizaram 384 atos dominicais contra alguma coisa até o fim do segundo mandato em 2026. 

Com o incentivo dos patriotas, Bolsonaro se livrou de amizades tóxicas e das vibes ruins, inclusive de seu círculo próximo.

O fim melancólico de traidores da pátria como Sergio Moro, Luiz Henrique Mandetta, Joice Hasselmann, Lobão, Alexandre Frota e Paulo Marinho inspiraram roteiros da produtora Brasil Paralelo que passavam em horário nobre da antiga TV cuja concessão foi cassada pelo AI-38. As produções só não eram indicadas ao Oscar porque Hollywood seguia dominada pelo marxismo cultural que Donald Trump não conseguia debelar desde que caiu de cama, doente, ao ver a primeira-dama sorrir pela primeira vez após o vazamento de seu nude.

Contra tudo e contra todos, Bolsonaro atravessou o deserto e pode agora realizar o sonho de ver o filho Carluxo encaminhado na vida com a faixa presidencial após vencer os irmãos no três ou um e conseguir a totalidade dos votos em cédulas de papel antifraude fornecidas pela Havan.

Magoado, Eduardo até ameaçou se rebelar, mas foi demovido da ideia ao ser presenteado com uma embaixada na Ucrânia, o único país do mundo que manteve relações diplomáticas e identidade visual com o Brasil.

Flávio se contentou com uma coleção de hominhos dos Comandos em Ação. Toda vez que alguém lembrava das rachadinhas do ex-amigo Fabrício Queiroz, ele alinhava os bonecos e a frota G.I. Joe em frente ao Palácio e dizia que eles poderiam intervir em favor da democracia se o interlocutor seguisse promovendo balbúrdia entre os Poderes.

Entre bois, balas e bíblias na mão, os patriotas amavam tanto o Brasil que conseguiram unir o país em uma bandeira só, eliminando quaisquer resquícios de biodiversidade ou diferenças culturais, a começar pelo samba, criminalizado por ordem da Fundação Palmares por exortar o terrorismo macumbeiro. E foi assim que o Brasil virou um grande pasto.

Sobre o autor

Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.

Sobre o blog

Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.