Por trás de um pai descolado, há sempre uma mãe sobrecarregada
Minha vontade, no Dia dos Pais, era escrever algo como: "Dá parabéns, mas me xinga quando saio do bar mais cedo para ver meu filho. Deus tá vendo".
O bar, aqui, é só uma alegoria. Serve para qualquer lugar que, diferentemente dos tempos de solteiro, hoje só frequentamos caso alguém tope cuidar dos filhos por nós – no caso, quase sempre a mãe, que costuma sofrer constrangimentos justamente quando tenta fazer o inverso e ouve coisas do tipo "como assim você é capaz de se permitir um intervalo de entretenimento enquanto seu filho depende tanto de você?".
No fim, acabei fazendo o que não se faz: escrevi textão de Facebook, juntei vários episódios (sem rosto) de chateações recorrentes e criei um Frankenstein discursivo.
Lição número 1: evite Facebook em dias muito sensíveis.
Lição número 2: cuidado com textões. Eles sempre vão acertar no atacado o que evitamos confrontar no varejo. O resultado é que muita gente que nem de longe estava no radar acabou se sentido atingida.
No desabafo público, lamentei que, nos últimos quatro anos, escolher ficar perto do meu filho (o que me levou a trocar de cidade, de trabalho, de planos e absorver uma rotina mais reclusa) era levar uma vida com menos amigos. Ou melhor: de dívidas aparentemente eternas com quem já não visitamos nem compartilhamos momentos e viagens com a mesma facilidade de antes. "Desculpe não ter ido, mas…", costumo dizer, completando a frase com alguma justificativa de que ele estava com febre ou simplesmente não seria confortável tentar conversar com adultos entre um balcão melado de cerveja e uma criança no pescoço.
Pode ser só inveja por ver tanta gente fazendo coisas tão incríveis no sábado à noite enquanto trocamos fraldas ou limpamos uma camiseta vomitada, mas o ponto é que nosso retiro para dentro de casa não significa que gostamos menos dos amigos ou dos pequenos prazeres da vida, como tomar uma cerveja no fim da tarde, frequentar estádio ou escalar montanha.
Digo isso não com a propriedade de quem tomou rumo na vida, mas de quem já queimou a cota de pisadas na bola. Dias atrás, durante uma viagem a uma cidade serrana, não hesitei em deixar meu filho com a mãe para acompanhar meu irmão e minha cunhada em uma trilha montanhosa – um lugar tão pouco adequado para crianças que deveria ter vergonha por pensar em lamentar o bom senso da mãe que não me acompanhou como nos tempos de namoro. Nem estranhar seu incômodo com minha demora mata adentro, de onde tirei fotos para o álbum vidaloka no Instagram e só voltei no início da tarde.
É só tentar inverter os papéis, disse ela. Fosse o contrário, certamente alguém lembraria alguma ladainha sobre a omissão de quem quis ser mãe sem querer abandonar a vida de solteira – "pobre criança", ouviu ela de parentes e amigos até quando resolveu retomar, antes de desistir em seguida, as aulas de dança.
Eu sei que existem filhos que são um doce de candura e acompanham os pais até em visita a igreja ou cervejarias – é o que escutamos o tempo todo quando tentamos dizer "melhor não" – mas o nosso exige atenção permanente. Semana passada, por exemplo, foi alguém cochilar e ele agarrou uma aranha na escola, tendo de ficar 24h em observação porque o bicho, que ele pensava ser de brinquedo, era não só do tamanho de um touro como também venenoso. (Ao menos agora sabemos tudo sobre aranhas armadeiras).
Não é justo que só um de nós seja escalado para manter essa vigilância permanente. Isso exige presença, e só quem já ficou ao menos uma tarde sozinho com o(s) filho(s) sabe como é difícil tentar conciliar a missão com atividades banais do cotidiano, como por exemplo… sentar e jantar.
Enfim, existe uma divisa muito tênue entre ser um bom amigo, presente e participativo nos eventos sociais, e ser um pai ausente. Se você realmente defende relações igualitárias, não seja aquele amigo ou amiga que faz troça sobre quem se dobrou à "dona onça" (nunca use essa expressão, aliás) ou que se queixa com outros amigos de nossas escolhas, nossos sumiços, nossas indisposições recorrentes e nossa suposta falta de vontade de viver uma rotina de permissões.
Para não se passarem por frouxos, e por acreditarem que a vida é dividida entre provedores e cuidadoras (o adjetivo masculino e feminino aqui é uma construção social das mais mambembes), muitos aproveitaram o portão aberto, escancarado, para ganhar o mundo e se perguntam, anos depois, por que perderam a intimidade com os filhos, como o pai interpretado por Ethan Hawke no filme "Boyhood – Da infância à Juventude", que deixou as crianças aos cuidados da mãe para seguir a vida de adulto-adolescente entre amigos e shows de rock. Há sempre, afinal, uma janela profissional, turística ou mesmo afetiva que justifique a omissão, ao contrário das mães, pressionadas o tempo todo a abrir mão de tudo em nome de uma única causa. E o problema no Brasil não é excesso de pais presentes, vamos combinar.
Dito isso, começamos a achar compreensível que o modelo de parceiro ideal seja hoje um Rodrigo Hilbert, o bonitão que topa dividir as tarefas com a casa e as crianças, e não o eu-lírico do (gênio) Chico Buarque, que na recém-lançada "Tua Cantiga" diz ser capaz de largar a mulher e filhos "e de joelhos" seguir a amante. (Não, isso não é uma crítica moral, nem desabona a contribuição de ninguém para a MPB).
Na vida privada, jamais saberemos como eles se comportam dentro de casa, mas a imagem pública de um parece mais conectada a uma demanda contemporânea do que a de um antigo ideal de romantismo. Repare que não estamos medindo QI nem talento numa balança.
A História será sempre grata aos nossos maiores artistas por saberem traduzir como poucos nossas questões mais complexas, inclusive o que dá dentro da gente e não devia. Mas, no universo expandido dentro de casa, ficar por perto ou trocar a fralda, um antipoema por excelência, seja talvez a maior das revoluções.
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