Reação ao tarado do ônibus exige reflexão sobre como falamos das mulheres
É mulher de malandro.
Safada no busão (9.390 resultados no YouTube).
Seus lindos peitos não merecem respeito.
Só não te estupro porque você é feia e não merece.
A essa hora sozinha à noite, queria o quê? Se estivesse em casa fazendo janta não acontecia nada disso.
Se você é homem e nasceu entre 1917 e 2017, você provavelmente já ouviu, assistiu, cantou e/ou reproduziu algumas das frases da lista acima. Todas foram tiradas de músicas, novela, programas, sites e conversas em grupos de WhatsApp compostos, quase sempre, por homens – e homens, quando se juntam, quase sempre tentam se afirmar contado causos, vantagens e expressões que quase sempre servem para referendar uma falsa ideia de superioridade e domínio.
Na semana passada, um homem se masturbou e ejaculou em uma mulher em um ônibus de São Paulo. O homem foi detido e liberado em seguida. Foi preso pouco depois ao praticar o mesmo crime, em um outro ônibus, contra outra mulher – mais uma entre inúmeras vítimas do mesmo sujeito, um entre tantos que, em um ônibus de São Paulo, se sentiu à vontade para fazer o que tinha vontade de fazer sem qualquer cerimônia.
O ato provocou uma profusão de debates jurídicos e psiquiátricos – o sujeito, afinal, seria doente, e o sistema falhou ao negar a ele o tratamento adequado, um meio-termo entre o encarceramento e a impunidade, para uma situação específica.
O episódio seria único, e devidamente isolado, se não fosse detonado em meio a uma onda de mobilização provocada após casos de violência sexual em transportes públicos e particulares na cidade – com as reações mais exaltadas contra as próprias vítimas.
No fim das contas, quando os casos são fulanizados, isolam-se as variáveis, encontra-se um culpado e atribui-se o ato à loucura – sem que se reflita até onde a própria loucura encontra uma avenida aberta para se manifestar (não faz muito tempo, uma amiga relatou algo parecido quando cobria uma marcha das mulheres em plena Avenida Paulista: o sujeito, contrário àquela mobilização, reagiu mostrando o pênis).
O retrato da violência contra as mulheres, do assédio ao feminicídio, é o retrato de uma violência reproduzida nas rodas de conversa, na sala de jantar, na publicidade e também em um ideal de romantismo no qual dominação, sofrimento, depreciação, punição e culpa são partes da mesma narrativa. Numa cultura que tanto valoriza o dinheiro, vale lembrar, não há relatos de malucos rasgando notas de cem.
Nós, homens, quando reproduzimos ou ficamos indiferentes aos discursos da lista acima – uma fração do que se ouve por aí – assumimos também a responsabilidade pelos atos de "loucura" replicados aos montes, e sem o menor constrangimento, nos ônibus, automóveis, baladas ou nas salas das "melhores famílias". A mudança começa dentro de casa.
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