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Matheus Pichonelli

Os maias estavam certos: o mundo acabou em 2012 e ainda não sabemos

Matheus Pichonelli

22/09/2017 04h00

 

Só pode ser isso, pensei, ao ver um ex-apresentador de O Aprendiz na Assembleia Geral da ONU em sua versão laranja com peruca do Maçaranduba, aquele personagem do Casseta & Planeta que resolvia tudo na bravata e na porrada – no caso, contra os norte-coreanos, os sírios, os iranianos, os esquimós e os vendedores de revista de teatro da Paulista.

Lembrei que por aqui os candidatos a candidatos de 2018 já afiam as lanças para a briga com mastodontes e pterodátilos após um breve retorno estético à Idade Média, e me perguntei quando foi que tudo começou (ou terminou). "Não sei com que armas a terceira guerra mundial será lutada, mas a quarta será com paus e pedras", escreveu Albert Einstein no Facebook. Ou seria a Clarice Lispector?

Meu vizinho de blog Chico Barney tem uma tese verossímil: desde 2012, o Brasil perdeu o rumo, e (não) coincidentemente isso acontece desde a derrocada do Thiaguinho. Éramos um país e tínhamos um maestro das vacas gordas.

Não temos mais.

Tanto não temos que os ídolos da música precisaram mudar de ramo. Zezé di Camargo, por exemplo, virou cientista político, e já discorre publicamente sobre as diferenças de militarismos e ditaduras, desordem e "ordem" (por aqui, também conhecida como a desordem que não pode ser noticiada nem investigada). Roger Moreira virou artista plástico, curador e herdeiro do movimento das Senhoras de Santana, cuja sede, no Twitter, diz o que é arte degenerada e o que é mimimi da oposição.

Pós-2012, jovens que fugiram da escola se tornaram líderes de movimentos por um Brasil Livre – livre das discussões aprofundadas e agora pautado por panelas, memes e palavras de ordem construtivas do tipo "Chola Mais" e "Check isso" em um pênis de borracha. Artistas e estudiosos, por sua vez, viraram chupins de uma grande teta, a teta do governo, de onde vazam diariamente o suor dos trabalhadores (de bem) e a riqueza nacional.

O Rio ganhou um prefeito que não gosta de Carnaval. São Paulo elegeu um alcaide, também formado na Escola O Aprendiz de Sociologia e Política, que não mora em São Paulo (não durante o mandato). Política agora é assunto de gestores, e o maior desafio deles é gerir a vontade de usar o cargo político para alcançar voos mais altos.

O presidente, preso a alguma armadilha pré-1989, conta dinheiro em cruzados, confunde Suécia com Noruega e não parece avisado do fim do regime soviético. Seu ministro da Fazenda pede oração para tirar a economia do atoleiro.

Mas voltemos ao mundo pré-2012, quando mar de lama ainda era metáfora (e não desastre ambiental), zica era maré simbólica de azar (e não epidemia) e ouvir Chico Buarque não implicava dar suporte a uma ditadura esquerdista, comunista, bolivariana e gayzista – esta, aliás, resolvida na base do tratamento. No limbo em que nos metemos, juízes já não dizem só o que tem e o que não tem na Constituição, mas também no Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais; a partir disso, definem o que é passível de tratamento e cura, como a homossexualidade. (Eu ia dizer que doença é a discriminação, mas o nome disso é crime, ou seria em condições normais de pressão e temperatura).

De lá pra cá alguma coisa muito estranha aconteceu, e já não temos nem o David Bowie para contar como será a vida no espaço.

O mundo, diziam os maias, acabaria em 2012, e passamos os últimos meses rindo da profecia furada sem desconfiar dos sinais contidos em todos os pesadelos que começavam a tomar forma (Corinthians campeão do mundo e Palmeiras rebaixado no mesmo ano? Fala sério).

A verdade é que entramos num limbo do tipo Caverna do Dragão – tudo, dos patos amarelos pós-2013 até os 7 a 1, passando pelas manifestações neonazistas, o retorno da moda primavera/verão Ku Klux Klan e o coro por intervenção militar, não passou de miragem.

Aquele mundo que conhecemos (o dos vivos) se acabou, e só não nos demos conta disso porque passamos tempo demais ouvindo as bobagens do Mestre dos Magos, alimentando unicórnios, fugindo do demônio de um chifre só, caçando pokemon ou tentando decifrar os hieróglifos em torno da palavra TOP, linguagem universal contemporânea para qualquer receita ou argumento.

Os maias estavam certos. O mundo acabou em 2012. Só não sabemos como sair do limbo.

Sobre o autor

Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.

Sobre o blog

Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.