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Matheus Pichonelli

Como Alexandre Frota pode ter virado símbolo da moral e dos bons costumes?

Matheus Pichonelli

03/10/2017 04h00

Divulgação/UOL

Se alguém quiser explicar a um estrangeiro o que acontece no Brasil de 2017, o caso Alexandre Frota merece um verbete à parte. Nisso temos muito a agradecer ao multiartista hoje engajado na luta em defesa das crianças e das famílias: ele nos ajuda a compreender as noções de certo e errado com mais nitidez do que supõe o nosso vão relativismo.

Digamos que, para conhecer o que temos de mais brasileiro, um amigo estrangeiro resolvesse visitar, em um fim de semana qualquer, algum dos cartões postais da cidade de São Paulo, a maior cidade do país. Por exemplo, o Ibirapuera. Ou um museu. Ou um museu no Ibirapuera. Exemplo hipotético.

De fora, o amigo estrangeiro veria um alvoroço em torno de uma exposição e pediria: "Leve-me ao seu líder". "É aquele ali", você responderia, e ele questionaria se o seu dedo aponta para a senhorinha neurastênica ao lado de um grandalhão mastodôntico.

"Não", você explicaria, com toda a paciência. "Aquele É o nosso líder".

Para quem já viu o Exterminador do Futuro governar a Califórnia, não haveria nada, em tese, a causar espanto a um estrangeiro na cena. Debaixo de tantos músculos, diria um observador, esconde-se ali um coração proporcional à marombagem da instalação.

Com um celular na mão, seria possível mostrar um pouco da trajetória do líder como ator, poeta, músico, atleta de futebol americano e educador. "Brilhou em novelas da Globo e na Casa dos Artistas, mas atingiu o auge em 'A Proibida do Sexo e a Gueixa do Funk' e 'Anal Total 10', filmes prontamente boicotados pelos grupos esquerdistas que tomaram o poder, o governo e o bom senso estético a partir de 2003", você diria.

Em sua curta mas definitiva contribuição para a literatura, o mesmo Alexandre Frota ganhou notoriedade ao rimar a palavra proibida com "perereca entupida". A crítica, como sempre, torceu o nariz, mas Alexandre é brasileiro, não desiste nunca e se reinventa agora em sua versão cristão engajado.

Pela manhã, como todo cidadão de bem, ele pede no Twitter "que Deus esteja do nosso lado e proteja nossas famílias". Em nome dessas famílias, ele declarou guerra a qualquer perversão das manifestações artísticas que, segundo ele, coloquem em risco as nossas crianças. Faz isso com a elegância de quem tem o domínio da pena da galhofa e da tinta da melancolia. Como quando acusou uma jornalista de se masturbar com a cruz e um colunista esportivo de praticar sexo oral com um ex-presidente da República.

Na batalha da causa infantil, o estrangeiro àquela altura estranharia não ver debaixo de tanta tatuagem algum exemplar do ECA, o estatuto da criança e do adolescente, para balizar a reflexão jurídica sobre limites da arte e os direitos da infância. Imagina tratar-se de material dispensável, afinal, num país que tão bem assimilou o que é exibido na TV aberta, e levou tão a sério a premissa de controle social da mídia, debatendo e problematizando a exposição dos infantos a Paquitas, Pragas, Dengues, Dancinhas na Garrafa, Banheira do Gugu, buscadores da palavra novinha no XVideos, linchamentos em rede nacional e tiroteios na porta da escola. Os preceitos do estatuto, conclui o gringo, está já na boca, se não do povo, das lideranças mais destacadas em defesa das famílias.

Em seu Twitter, pensaria o nosso amigo, Frota é uma espécie de Alemanha dos anos 30, que ataca a França e a Rússia ao mesmo tempo. Ele se engajou na luta contra a ideologia de gênero, contra a Lei Rouanet, "para acabar com a farra da cultura", e convoca para o próximo dia 8 uma Marcha em São Paulo contra a pedofilia em defesa da família, essa mesma que se aliou aos que pretendem encarcerar o filho dos outros (talvez da empregada) na discussão sobre maioridade penal – a saída até aqui mais verossímil para estancar os quase 20 mil casos de violência sexual no Brasil contra crianças e adolescentes, uma média de quase 50 por dia.

A preocupação com a violência no país é tanta, aliás, que uma das estratégias do bom moço é fazer piadas sobre estupro, como quando contou em um programa de auditório que fez tanta pressão ao transar com uma mãe de santo que ela desmaiou. Uma questão menor sobre a compaixão cristã, claro.

Frota é hoje cabo eleitoral eloquente de quem promete vencer as eleições em 2018 e colocar ordem no Brasil, a exemplo do que aconteceu durante a ditadura, quando uma era de perversidade, moral e política, foi combatida em porões onde adversários devidamente censurados eram sequestrados, torturados e violentados.

Graças a Alexandre Frota e sua turma, esse novo dia de um novo tempo que começou pode hoje ser vislumbrado. Se durante anos acreditamos no caráter conflitante da condição humana, tomada por dúvidas e contradições, figuras como ele ajudam a remontar o mundo como um lugar onde o certo e o errado podem ser observados de maneira nítida, menos confusa – e também menos sofrível.

Nunca foi tão fácil tomar posição como no Brasil de 2017. Basta olhar bem onde Alexandre Frota está.

Sobre o autor

Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.

Sobre o blog

Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.