{"page-prev":false,"page-next":false,"blogosfera-options":{"category":[{"link":"http://matheuspichonelli.blogosfera.uol.com.br/category/sem-categoria/","title":"Sem categoria","descriptions":"","slug":"sem-categoria","size":249}],"page-type":"post","blog-id":"186","site-url":"http://matheuspichonelli.blogosfera.uol.com.br","author-info":{"title":"Sobre o autor","description":"Matheus Pichonelli \u00e9 jornalista reincidente e cientista social n\u00e3o praticante. Trabalhou em ve\u00edculos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de S\u00e3o Paulo ap\u00f3s 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, pol\u00edtica e (\u00e0s vezes) futebol."},"blog-info":{"title":"Sobre o blog","description":"Este blog \u00e9 um espa\u00e7o de compartilhamento de d\u00favidas, ang\u00fastias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal."},"blog-publicity":"","comentarios":{"show":true,"id":14053366,"disableTitle":true,"displayInline":true}},"blog":{"conteudo":{"titulo":"Filha do\u00a0medo, a raiva \u00e9 m\u00e3e da\u00a0covardia","autor":"Matheus Pichonelli","texto":"
O grito, de Edvard Munch
O t\u00edtulo desta coluna est\u00e1 na m\u00fasica \u201cAs Caravanas\u201d, possivelmente a melhor composi\u00e7\u00e3o de Chico Buarque desde \u201cConstru\u00e7\u00e3o\u201d.
Ela mostra que, em tempos sombrios, \u00e9 preciso saber quando o medo come\u00e7a a pautar nossos afetos. A covardia \u00e9, de fato, um grande sinal e tem sido recorrente nas a\u00e7\u00f5es e discursos de quem se assusta, e finge n\u00e3o se assustar, com a pr\u00f3pria estupidez: o humorista das piadas de quinta s\u00e9rie que s\u00f3 tem prest\u00edgio com alunos que est\u00e3o ou jamais sa\u00edram da quinta s\u00e9rie (s\u00e3o muitos, mas isso \u00e9 outra hist\u00f3ria); o ator que n\u00e3o consegue um bom papel desde a Copa de 94; o roqueiro que fala\u00a0demais\u00a0porque a l\u00edngua j\u00e1 n\u00e3o produz qualquer outro som.
Eles n\u00e3o t\u00eam culpa da pr\u00f3pria mediocridade, mas entendem que a culpa \u00e9 minha, sua ou de quem ousa furar a bolha de seus pedestais imagin\u00e1rios. Como pensar \u00e9 desconstruir as zonas de conforto\u00a0e eles s\u00e3o incapazes de argumentar,\u00a0\u00e9 mais f\u00e1cil\u00a0eliminar quem promove os contrapontos do que enfrentar as suas fragilidades e inseguran\u00e7as.
Cazuza tinha um ant\u00eddoto para essa gente careta e covarde: a piedade.
Hoje, ao ver que eles s\u00e3o muitos cavalos, temos medo, e quando\u00a0entramos nesse jogo\u00a0\u00e9 porque j\u00e1 perdemos a batalha para a raiva e a covardia.
E n\u00e3o s\u00f3 nas redes.\u00a0A menos de um ano da elei\u00e7\u00e3o,\u00a0o medo come\u00e7a a tomar as vestes de projetos pol\u00edticos. Segundo leio por a\u00ed, nossas fam\u00edlias est\u00e3o sendo destru\u00eddas, professores querem doutrinar nossos alunos, museus s\u00e3o parte de um plano mal\u00e9volo para ati\u00e7ar a perversidade infantil, artistas querem propagar a libertinagem, as drogas, a desordem. Falta muito pouco para come\u00e7arem a queimar livros.
Apavorados, corremos o risco de cair na conversa e trocar o pouco de liberdade que ainda nos resta por cartilhas e algemas. Flertamos com a censura e a patrulha sem perceber que isso\u00a0j\u00e1 \u00e9 um modo de morrer.
Mas o medo n\u00e3o est\u00e1 s\u00f3 na fala de quem cria inimigos para disfar\u00e7ar a aus\u00eancia de ideias ou projetos.
Est\u00e1 na nossa linguagem, no notici\u00e1rio, na propaganda. O medo vende mais do que as promessas de felicidades. Tempos atr\u00e1s me assustei (ato falho) ao ver a propaganda de um site de im\u00f3veis que mostrava uma mulher observada da janela por vizinhos estranhos e um cachorro com cara de psicopata (a princ\u00edpio a mensagem era \u201ccompre outra casa antes que o pior aconte\u00e7a\u201d). Ou o an\u00fancio do autom\u00f3vel em que o sujeito\u00a0 via os bra\u00e7os, pernas e o resto do corpo desaparecerem quando se afastava do volante.
O imperativo \u00e9 sempre o medo da subtra\u00e7\u00e3o. N\u00e3o perca a chance! Vai ficar de fora? Nas entrelinhas vemos o perigo de n\u00e3o ter e n\u00e3o ser, os riscos de nos tornar sujeitos desajustados, deslocados, impr\u00f3prios para consumo. (Estranho: no meu tempo ser \u201cfora de s\u00e9rie\u201d era elogio).
Assim, passamos metade da vida\u00a0nadando em dire\u00e7\u00e3o \u00e0s promessas contidas no carro do ano e a outra metade com medo de perder o que nos afirma como identidade. Da\u00ed a raiva de quem n\u00e3o tem mais nada a n\u00e3o ser o medo de\u00a0tudo o que nos soa como amea\u00e7a – dos moradores do bairro vizinho\u00a0\u00e0s opini\u00f5es de quem n\u00e3o v\u00ea sentido numa vida assim.
Filha do\u00a0medo, a raiva \u00e9 m\u00e3e da\u00a0covardia,\u00a0alerta a\u00a0can\u00e7\u00e3o\u00a0– e tamb\u00e9m os poetas e pensadores de outros tempos.\u00a0“Minha m\u00e3e pariu dois g\u00eameos. O medo e eu'', escreveu Hobbes. “A covardia \u00e9 m\u00e3e da crueldade'' ensinava Montaigne. Sobre\u00a0seus\u00a0“resplendores covardes''\u00a0Carlos Drummond de Andrade fez um de seus mais dolorosos poemas:\u00a0em verdade, dizia, temos medo, pois nascemos no escuro. “Fomos educados para o medo. Cheiramos flores de medo. Vestimos panos de medo''.
No Brasil de 2017 h\u00e1 quem tenha medo at\u00e9 de artista nu; outros t\u00eam medo de quem tem medo de artista nu, outros t\u00eam medo de quem tem medo de quem tem medo de quem tem medo de artista nu e assim\u00a0vamos gritando contra espantalhos\u00a0enquanto no centro do poder discute-se modos de facilitar o\u00a0trabalho an\u00e1logo \u00e0 escravid\u00e3o, o perd\u00e3o da d\u00edvida de pilantras e a\u00a0salva\u00e7\u00e3o de quem se meteu onde n\u00e3o deveria.
\u00c9 dif\u00edcil acompanhar e digerir tudo? \u00c9. Mas observe a imagem do senador que, gra\u00e7as \u00e0 generosidade sincera e desinteressada dos colegas, acaba de escapar da degola. Atr\u00e1s da cortina, apavorado com o movimento em frente de casa, era o retrato de quem j\u00e1 n\u00e3o pode circular pelas ruas e observar as pessoas de frente, olho no olho. Como ele, muitos venderam medo como projeto pol\u00edtico. Agora\u00a0mal\u00a0podem sair de\u00a0seus\u00a0por\u00f5es (mesmo em suposta liberdade). Valeu a pena?
Em uma \u00e9poca de pesadelos, n\u00e3o deveria ter nada mais aterrorizante do que o medo da luz do sol. O resto \u00e9 covardia.
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