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Matheus Pichonelli

Você fica deprê nas festas de fim de ano? Você talvez seja normal

Matheus Pichonelli

13/12/2017 04h00

Cena do filme Grinch

Cena do filme Grinch

 

Sabe aquela história de que o Natal é um momento mágico, uma época de encontros, de declarações de amor, de trocar presentes, abraços, festejar o ano que passou?

Talvez em algum passado nem tão distante da nossa vida tenha sido realmente assim. No meu caso, algumas das melhores lembranças se situam nessa época do ano: a casa arrumada, as luzes, o presépio do avô, a expectativa dos presentes ao pé da arvore, a reunião de primos em volta da mesa, as músicas pacificadoras de espíritos, as iguarias (apesar da uva passa na maionese e no arroz, aparentemente comuns já nas oferendas dos Reis Magos).

Eu adorava essa época do ano e até hoje alguma coisa acontece no meu coração quando o calendário cruza a avenida de novembro com dezembro. Deve ser algum dispositivo cerebral condicionado de um tempo que não existe mais (coincidentemente, um tempo que trazia no fim do ano as férias escolares).

Hoje basta arrancar da parede as últimas folhinhas do ano para trocar a expectativa das festas por uma sensação localizada entre a melancolia e o desespero.

As boas lembranças do Natal, assim como das festas juninas, dos aniversários e dos domingos de páscoa, parecem ter rareado justamente à medida que tomamos corpo, consciência, responsabilidades. Desde que entramos de sola no mundo adulto, enfim.

Pudera. Quando pequenos, a gente não percebia a conotação preconceituosa na piada daquele parente que parecia tão expansivo; não percebia as intrigas, os conchavos, as conversas de compadres e comadres nos cantos da casa. Ninguém ainda perguntava dos namoradinhos e das namoradinhas, nem cobrava alguma prova cabal do nosso sucesso financeiro (que jamais veio). Ninguém pedia dinheiro emprestado, prometendo pagar na quinta-feira sem falta há exatos três Natais.

Ninguém botava defeito na forma como lidamos e criamos nossos filhos, nem dizia às vésperas do nosso casamento que tudo aquilo era um grande gasto e um grande desperdício diante de tanta oportunidade sufocada num anel de compromisso. Ninguém ainda calculava que a tolerância à farofada familiar era diretamente proporcional ao medo de passar as festas na mais completa solidão.

Não é que eu odeie essa época do ano. É que as memórias recentes já competem com as boas lembranças e a paz aparente filtrada pela inocência juvenil. Das recordações das últimas confraternizações, lembro, por exemplo, quando uma das festas azedou porque, depois dos primeiros goles, alguém disse para a cunhada que, se cunhada fosse boa, não começava com as letras C e U. Ou dos porres de quem bebeu demais para amortecer as horas em volta da mesa. Ou as disputas fratricidas durante e depois do amigo roubado, que simplesmente não existia quando, em nossa cabeça, as relações humanas eram mediadas apenas por cartas endereçadas ao Polo Norte e renas voadoras.

Ainda assim, insisto: chega essa época do ano, faço mil planos para ver e rever todo mundo ("vamos marcar alguma coisa qualquer dia desses? Mas vamos MESMO?"), à espera talvez de uma renovação de forças que releve mesquinharias e desperte nosso espírito de solidariedade com a simples passagem do ponteiro entre a última hora de um ano e a primeira do ano seguinte. É como esperar, entre tantas referências ao inverno polar, que o Natal traga também a neve.

Por um tempo imaginei que esse bode de fim de ano tinha origem no déficit de promessas (não) realizadas entre um dezembro e outro. Hoje estou convencido de que parte do incômodo é porque, a certa altura, simplesmente não temos fôlego para traçar planos, metas ou fingir convicção de que alguma promessa possa ser finalmente cumprida nos próximos 365 dias.

No fim, o que sentimos é culpa por não compartilhar da espontaneidade que todos parecem irradiar, da propaganda da TV ao vendedor da loja. Ou pela sensação de ter perdido algo entre os embrulhos das festas da nossa infância: uma alegria que ainda não identificava tantos poréns. Era bom imaginar que a felicidade, eterna durante as primeiras três horas da noite, era um simples soldadinho de plástico.

Envelhecer é contar os mortos e feridos do ano que se passou. E, ainda assim, torcer para que tudo se realize, de preferência sem o disparo da bomba atômica, no ano que vai nascer.

Sobre o autor

Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.

Sobre o blog

Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.