O grupo do condomínio no WhatsApp é um atestado da nossa falência
Fui convidado a participar do grupo de WhatsApp do condomínio.
A ideia era aproximar pessoas, discutir melhorias, trocar impressões, angústias, propor soluções.
Aderi com entusiasmo. Grama alta, insetos, excesso de velocidade, lâmpadas estouradas. O que não falta por lá são problemas a serem debatidos.
Cerca de 150 moradores são adicionados, todos com a mesma empolgação para falar, expor ideias, discutir.
Mas em menos de 24 horas o grupo se torna um balão de ensaio para entender nossos impasses políticos, mal e porcamente resumidos pela confusão entre interesses públicos e benefícios privados.
A ideia de discutir o "bem comum" logo deu lugar a um desfile de rancores e ressentimentos entre vizinhos. "Fulano da casa tal chegou bêbado de madrugada". "A filha do cicrano ouve música alta". "O gato do vizinho pensa que meu jardim é banheiro". "As crianças do beltrano batem bola no portão bem na hora que estou assistindo o Datena".
Temas que seriam resolvidos facilmente (ok, não tão facilmente) com uma visita ou um telefonema viram, então, questões de segurança máxima. "Na quadra, a molecada está até fumando droga"; "já vi camisinha aberta no parquinho" (era só uma camisinha aberta, que todo adolescente abre como bexiga para chamara a atenção); "o casalzinho faz poucavergonhice no banco da praça" (leia-se: trocaram beijos).
O passo seguinte é fatal: vamos filmar, fotografar, divulgar nas redes, denunciar, constranger.
A proposta de melhoria descamba para discursos em defesa de mais restrições, mais vigilância, mais imposição de autoridade, como se só terceirizando a gestão do medo é que pudéssemos viver como gente – ou cabra.
O inferno são os outros, e todos eles são filhos do vizinho que não foi adicionado ao grupo. Falta educação. Falta disciplina. Falta cinta. Valores familiares. Porrete. Falta só dizer que a solução é bater, estropiar, matar.
"E se comprássemos mais câmeras?". "E se triplicasse o número de vigias?". "Um drone resolveria. Ou dois". "Armas. Nós precisamos nos armar". "Por que o Bope não entra aqui?"
Impressiona que, a certa idade, a grande tara da humanidade se resuma a duas palavras: porrada e proibição.
A síndica passa, então, a ser alvo de todos os males, inclusive das nossas unhas encravadas. Ela é, afinal, a representação tanto da lei mal formulada quanto do gozo excessivo do vizinho, conforme a definição do psicanalista Christian Dunker no livro "Mal-estar, sofrimento e sintoma". Sim: a lógica do condomínio que pauta a nossa sociedade entre muros é também tema de psicanálise.
Como na macropolítica, sonhamos em delegar as decisões para as forças superiores em busca da salvação. Assinamos, assim, nosso atestado de incompetência de convívio. A gritaria mata o diálogo a cada postagem tomada de exclamação.
Alguém faz as contas. Para incorporar essa estrutura israelense de segurança, o valor do condomínio pagaria praticamente um novo imóvel. Alguém topa?
Grilos se manifestam. São os primeiros minutos em silêncio em horas de artilharia pesada.
Muitos percebem que daquela cartola não sairá coelho e começam a abandonar o grupo. Os remanescentes, mais calmos após os primeiros desentendimentos, começam a compartilhar mensagens de bons dias animadas por gatinhos.
Alguém pergunta o cardápio da padaria.
Outro aproveita a multidão conectada para encontrar o público-alvo de algum serviço residencial.
A vizinha avisa que está abrindo um restaurante. Se alguém responder "QUERO" ganha desconto de 5% no almoço se pagar em dinheiro.
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