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Matheus Pichonelli

5 razões para amar e 5 para odiar a Copa do Mundo

Matheus Pichonelli

16/06/2018 04h00

Rua enfeitada para a Copa. Fernando Frazão/Agência Brasil

Começou mais uma Copa do Mundo e, a depender do clima geral, não poderíamos nos importar menos. A percepção não é achismo: segundo o Datafolha, pela primeira vez na história deste país, a apatia ataca — ao menos até o primeiro gol do Neymar — a maioria dos brasileiros (53%).

Se você está no time dos desiludidos, você tem toda a razão. Se você está insone à espera do próximo jogo e já comprou uma réplica do Canarinho Pistola, também. Abaixo uma lista para entender o porquê:

 

Razões para detestar a Copa

1. O Brasil não é o país do futebol. É o país do futebol masculino. Enquanto os homens se pintam para a guerra a cada quatro anos, a modalidade feminina ainda pena para conseguir patrocínios, público e prestígio. Nesse campo de músculos e testosterona, as menções ao universo feminino são sempre pejorativas, geralmente endereçadas às mães de juízes e adversários. Isso sem falar no ambiente notadamente homofóbico das arquibancadas, de onde ainda se grita "bicha!" no tiro de meta. Os debates sobre tolerância e representatividade que afloram na sociedade mal arranham as estruturas arcaicas da bola.

2. O megaevento é uma oportunidade para alimentar a megalomania de governos e encher o bolso de construtoras convocadas a levantar elefantes brancos sem qualquer utilidade póstuma para a população local. No caso da Rússia, sede da Copa de 2018, as recorrentes violações de direitos humanos e perseguições a adversários e população LGBT contrastam com a mensagem de "Amor" na cerimônia da abertura.

3. Os brasileiros têm cada vez menos afinidade com a seleção. Dos 22 convocados, apenas 3 jogam no país, e muitos se mandaram para ricos campos europeus, árabes ou chineses muito cedo, sem deixar qualquer marca por aqui, a não ser o exemplo de como driblar o Fisco.

4. A Copa mexe com os sentimentos mais primitivos dos brasileiros. Diante de tanta paixão, há sempre o patrulheiro disposto a elencar as mazelas que, com ou sem jogo, costumam massacrar a condição humana: fome, pestes, furacões, guerras, bomba atômica, crise econômica, Bolsonaro. A mobilização contra a suposta alienação dos povos, também conhecida como demofobia, é, sem dúvida, um dos fenômenos mais desagradáveis que surgem e desaparecem a cada quatro anos.

5. Até a final, a Copa será praticamente o único tema das conversas no ônibus, no bar, nos corredores da firma. Haverá festa, barulho, fogos, gente gritando e colocando para fora o que não têm coragem de gritar em condições normais de pressão e temperatura. Credo.

Cinco motivos para adorar

1. Até a final, a Copa será praticamente o único tema das conversas no ônibus, no bar, nos corredores da firma. Haverá festa, barulho, fogos, gente gritando e colocando para fora o que não têm coragem de dizer em condições normais de pressão e temperatura. Que delícia.

2. Não tem explicação lógica, mas os dois únicos presidentes que conseguiram concluir os mandatos após a redemocratização, e dar ao sucessor um país minimamente melhor, com controle de inflação e combate à miséria, foram eleitos em 1994 e 2002, quando ganhamos nossas últimas Copas. O desempenho da seleção pode ser determinante para melhorar nosso humor e nos lembrar, ao menos uma vez, que ainda somos um país. Assim como o drible, a alegria é nossa maior instituição política, e uma nação que não permite 90 minutos de distensão já entra em qualquer campo derrotado.

3. Se tiver criança na sala, cuidado ao falar da Fifa, CBF, Putin etc. Até os 12 anos, o futebol será um dos poucos exemplos de que a vida não é só uma sentença de obrigações ordinárias. Elas terão a vida para desconstruir a mitologia de heróis que aplicam em campo valores que nem sempre observamos fora dele: dedicação, coletividade, superação, camaradagem. Os jogos são um espaço lúdico também para lidar com as primeiras frustrações (mais dia, menos dia, elas virão). Para os pais, o Mundial deveria vir com um selo: Cuidado, memórias em obra.

4. Pense bem: em que momento dos próximos quatro anos você terá motivo e razão para abrir uma lata de cerveja às nove da manhã em plena semana?

5. De tudo são as pequenas grandes histórias que fazem da Copa um troço gigante, maior que qualquer ranço. Exemplos: o Messi, toda vez que marca gol, aponta para o céu e dedica à sua avó, que ele adorava e que morreu antes de ele estrear. O egípcio Salah ajudou o mundo a enxergar o Islã para além do estereótipo fundamentalista. Gabriel Jesus ainda pintava a calçada de casa, na periferia de SP, na última Copa; hoje é o camisa 9 da seleção.

Em resumo, tudo isso não é sobre o jogo. É sobre um pouco de cada um de nós. Fica, vai ter Copa!

Sobre o autor

Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.

Sobre o blog

Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.