Topo

Matheus Pichonelli

Como encontrar limites e não enlouquecer na rotina de home office?

Matheus Pichonelli

25/07/2018 04h00

Foto: Getty Images

Como as pessoas me veem quando digo que trabalho no esquema home office: de pernas pra cima, à beira da piscina, ouvindo Despacito, com o laptop numa mão e um mojito na outra.

Como é trabalhar em casa: "Meu Deus, duas da tarde e ainda não almocei, não tirei o pijama, preciso tomar cuidado para não fritar o celular mandando e-mail pela bisteca".

Sem que me desse conta, me tornei em uma espécie de arquétipo mal-ajambrado do trabalhador contemporâneo. Meu escritório é meu celular, e a sucursal, o computador. Qualquer um.

As jornadas são flexíveis e permitem, por exemplo, assistir filmes para resenhar enquanto corro na esteira e envio mensagem de voz para alguém.

Muitos dos meus editores eu sequer conheço pessoalmente. Fechamos as pautas a cerca de 100 km uns dos outros.

Um negócio chamado internet me permite morar no interior, entre um córrego, um pasto e uma trilha tomada por capivaras, e me manter conectado com a capital.

Nós, da turma do PJ, não temos férias garantidas, mas podemos negociar dias off-line (com o detalhe de que nem na praia eu desligo). OK: depois do almoço, me dou ao luxo de assistir a programas de esporte. Mas só quando meu time ganha.

Para não deixar nada acumular, é comum abrir os trabalhos mais cedo ou estender a jornada até altas horas, bem além do horário comercial.

Aí que mora o perigo.

De longe, nunca sabemos exatamente qual a gravidade das cobranças do outro lado. As demandas, na maioria, surgem por e-mail. Ou inbox de Facebook.

Com a tal flexibilidade, passamos a trabalhar para mais de um lugar (cliente, parceiro, chefes, chamem como quiser). E, como não sabemos exatamente os limites (num lugar fixo é quando o último empregado apaga a luz), vamos assumindo os compromissos conforme aparecem, com medo de que, um dia, eles desapareçam.

Passamos a desenvolver, assim, uma tensão constante: e se as demandas se sobrepuserem? E se eu demorar demais para responder? Será que vão mesmo pensar que estava na praia?

Dias atrás, cheguei ao cúmulo de levar o laptop para uma consulta médica marcada após uma taquicardia. Expliquei que não desligaria o celular porque precisava abrir o "escritório" portátil a qualquer momento. Estava esperando a aprovação de uma tarefa. Acabei tomando, com razão, uma bronca, mas da doutora.

Nas tarefas de casa, a parte mais tensa são os intervalos. A autonomia é relativa: você tem a ideia, mas precisa do sinal verde para seguir. Nessas horas, não dá pra sair e dar uma volta, correr, nadar, fazer compras no supermercado. O retorno pode chegar a qualquer instante. Pode levar um minuto; ou dois dias.

Entendo meus amigos que, de mãos espalmadas ao chão, como um corredor à espera do tiro de largada, começaram a fumar na ansiedade desses intervalos. É só porque, no horário comercial, não podem beber.

Com os anos a gente se adapta à rotina. Até demais: hoje estranho quando preciso sair e tento me forçar a isso. Ou quando lido com interlocutores que, diferentemente de um avatar, gesticulam e movem a boca quando falam. O que me ajuda no processo de não-enlouquecimento são as visitas, ao menos uma vez por semana, à sede de uma das empresas.

Nesses dias, tiro o pó do meu guarda-roupa antissocial e consigo matar saudade dos cafés do corredor, dos comentários relativos às notícias e resultados da rodada e até do trânsito.

Não achei que fosse dizer isso um dia, mas é bom esperar o ônibus e encarar o trânsito de vez em quando. Nosso corpo precisa se despressurizar de um ambiente para fazer a travessia física de um ambiente profissional até a área de descanso. Nem sempre conseguimos separar as coisas quando papéis e eletrônicos se misturam ao pão de queijo na mesa da cozinha.

Nessas horas, percebo como é bom sentar entre colegas na hora do almoço, nem que seja para reclamar e ouvir reclamações. É uma forma de saber que nossas dúvidas, uma vez compartilhadas, são apenas dúvidas, não paranoias ou sensação de déficit permanente, como se estivéssemos sempre, sempre, em dívida. No trabalho à distância feedback é licença poética. Pudera: estamos todos ocupados demais correndo para dentro.

Como tudo na vida, o esquema home office tem suas vantagens e desvantagens; dias bons e dias ruins. Não deixa de ser privilégio poder escrever com a cachorra no pé. Ou adiantar as tarefas mais urgentes até o filho chegar da escola. Na maioria das vezes, é assim que o dia começa.

Sobre o autor

Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.

Sobre o blog

Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.