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Matheus Pichonelli

"Piada" com pênis de oriental prova que temos um tiozão do pavê no poder

Matheus Pichonelli

16/05/2019 15h07

Na última quarta-feira, 15/05, durante a escala da comitiva presidencial no aeroporto internacional de Manaus, e a caminho de uma premiação nos EUA, Jair Bolsonaro foi abordado por um passageiro de olhos puxados que pediu para tirar uma foto com o presidente do Brasil.

Em um português não muito claro, o fã pronunciou as palavras "Brasil" e "gostoso" e fez o presidente se desviar da cortesia como quem escapa de uma cantada. Ô loco, aí não.

Em seguida, o capitão ofereceu um abraço, aproximou o polegar do indicador e perguntou, para risos dele mesmo: "Tudo pequenininho aí?"

O moço, coitado, não esboçou reação se não rir da brincadeira — que provavelmente não entendeu. Levou a seu país, seja ele qual for, a cortesia oferecida pelo presidente brasileiro como um embrulho. Nele cabe basicamente tudo o que ele pensa sobre os povos asiáticos.

Eis o problema de ter um tiozão do pavê na Presidência e não só nos nossos encontros em família: ele perde a compostura das relações diplomáticas, mas não perde a piada.

Os nossos tiozões dos domingos chegam a se emocionar de tanto orgulho. Suas piadas são agora transmitidas para o mundo. Não há definição melhor de empoderamento.

Assim como o presidente, o tiozão do pavê não aparece em nossas casas por geração espontânea. Ele e suas piadas constrangedoras são resultado de anos e anos de conversa furada sobre a superioridade masculina, na qual o pênis, ou falo, tem um valor simbólico de poder e prestígio.

O tiozão do pavê é a boca aberta do falocentrismo. Como é inseguro, e morre de medo de colocar sua masculinidade frágil à prova, ele precisa o tempo todo emitir sinais de vigor com a ajuda de equipamentos, automóveis e armas. Em alguns casos, a arminha empinada vira até símbolo de campanha.

Uma vez no poder, as preocupações do Estado passam a ser resgatar o prazer de dirigir, punir os fiscais do Ibama que estragam a pesca irregular da família brasileira, e combater o risco da amputação do pênis por falta de higiene –um drama que nem o Ministério da Saúde sabe dizer quantos homens atinge anualmente.

A obsessão dispensa a estatística.

Freud explica

Um dos problemas de eleger um tiozão do pavê como presidente é ver o presidente se comportar em público como o tiozão do pavê.

O tio do pavê, para quem não está familiarizado com o doce, é aquele parente que todo domingo aparece na sua casa e pergunta o que tem na geladeira.

Se tiver pavê, esquece: a piada virá.

Como o próprio apelido já diz, é ele quem se dispõe a perguntar se a iguaria é pavê ou pacumê.

Ele sabe que todo mundo conhece a piada.

Sabe que ninguém aguenta mais.

Sabe que ninguém vai rir.

Ele se coça e chega a tremer de abstinência no instante em que as papilas gustativas ainda separam pensamento e ação.

O tio do pavê é mais que um estilo: é uma identidade visual. Seria uma filosofia de vida, se ele tivesse qualquer afinidade com a filosofia.

Enquanto tem pavê tem verbo, e ele não costuma economizar oportunidades de desfilar seu abecedário de piadas-prontas para disfarçar seu desinteresse com qualquer assunto que exija um raciocínio mais profundo que um pires.

Se acabar o pavê, ele pensa, todos à mesa vão perceber o seu deserto de ideias.

Então ele aponta o dedo para todo mundo como quem se desvia dos olhares: aponta para a sobrinha que não arrumou namorado, para a sexualidade do sobrinho, para as limitações físicas do cunhado, para o peso da irmã, para as rugas e estrias da atriz convidada do Faustão.

Historicamente, esse tio ou não era levado a sério ou se recolhia chateado no fundo do chinelo Rider, atribuindo ao mimimi e ao politicamente correto toda a sua incompreensão.

De um tempo para cá, esses tiozões descobriram que eram uma legião e se conectaram por aplicativos de mensagem instantânea, por onde enviam piadas sem graça, pornografia barata e maldizem os grupos sociais que passaram a ocupar os espaços de prestígio que eles imaginavam serem deles por direito. Tipo a universidade, aquele cabedal de balbúrdia para o qual não foram chamados.

Os tiozões do pavê deixaram de vagar como alma penada do universo da insignificância e encontraram, no vácuo político, mais que um sentido: encontraram um mito.

Alguém que, como os futuros tiozões do pavê que aproveitaram o desconhecimento da língua portuguesa de uma russa durante a Copa para gravarem e exporem sua piada sobre a cor de seu órgão genital, não perderia a chance de trollar um estrangeiro oriental que pedisse para fazer foto com ele no aeroporto.

Com o tiozão do pavê no poder, a vergonha não é uma questão. É oportunidade.

Sobre o autor

Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.

Sobre o blog

Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.