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Descobri o segredo da felicidade de dois amigos: eles saíram do Facebook

Matheus Pichonelli

17/11/2017 04h00

Foto: Getty Images

Lembro quando isso tudo era só mato. Rede social, para mim, era sinônimo de Orkut, site de relacionamento que me tomava dias pensando no que escrever sobre mim e sobre meus amigos. A eles dedicava testemunhos e mensagens coloridas de bom dia, boa tarde e boa noite.

Depois criei uma conta no Twitter, hoje um latifúndio de 280 caracteres por post. Na época mal cabia um arado.

Até que um dia me inscrevi no Facebook, essa grande reunião de condomínio que prometia engolir todas as outras redes. Lá, no princípio, postava meus links favoritos, compartilhava músicas, divulgava poemas como quem executa uma cítara em público.

Aquilo era um grande parque de repouso com lagoa até alguém resolver dar pitaco sobre a conjuntura política, geralmente acompanhada de expressões como "corja", "bate panela agora", "a culpa não é minha, eu votei no Diabo" e outras provocações impronunciáveis. Foi o suficiente para transformar a comunicação do futuro em uma rede incomunicável.

Na semana passada, encontrei dois amigos com excelente humor – não que a gente repare na boa forma dos amigos, mas a boa disposição em tempos bicudos chamava a atenção pelo contraste.

A ambos fiz a mesma pergunta: o que anda fazendo?

De ambos recebi a mesma resposta: "Nada. Só saí do Facebook".

Um deles me confidenciou: lá ele se sentia um poema de Fernando Pessoa. "Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porcos, tantas vezes vil, tantas vezes irrespondivelmente parasita, indesculpavelmente sujo"…

Em outras palavras, todos tinham opinião, todos tinham as respostas certas, todos estavam convictos de que todos os outros – nós – estávamos equivocados sobre qualquer coisa, inclusive nas nossas indignações.

Estar em uma rede social é uma forma de observar a própria vida. É mais ou menos como o escritor Italo Calvino dizia sobre como enxergamos as cidades:  é o humor de quem olha que dá a forma a elas. "Quem passa assobiando, com o nariz empinado por causa do assobio, conhece-a de baixo para cima, com seus parapeitos, cortinas ao vento, esguichos".

Já quem caminha com o queixo no peito, "com as unhas fincadas nas palmas das mãos, cravará os olhos à altura do chão, dos córregos, das fossas, das redes de pesca, da papelada".

Não sei vocês, mas eu tenho visto parapeitos de menos e fossas demais. Em uma velocidade e profusão muito acima do que eu e meus amigos podemos processar. Fatalmente isso nos transformou em pessoas mais ansiosas, mais hostis, mais impacientes, menos interessantes.

Onde isso vai nos levar, não se sabe. Mas já podemos prever uma migração em massa para o Instagram, onde assistimos a um esforço tão inocente quanto comovente para captar e compartilhar o lado bom da vida escondido num pôr-do-sol, numa fresta da escada, no vaso do quintal, no sorriso de uma criança, no beijo entre desconhecidos – tudo sem risco de alguém nos contestar e dizer em caixa alta: "O PAÍS NESSA SITUAÇÃO E VOCÊ POSTANDO FOTO DE GATINHO". A migração é quase um pedido de asilo. De culpas e obrigações já nos basta a vida.

Em tempo: Até o fechamento deste post, o autor seguia com a conta ativa no Facebook. As razões são temas de uma próxima crônica.

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Sobre o autor

Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.

Sobre o blog

Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.