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Não, Bolsonaro, "pistola na bolsa" não resolverá a violência sexual

Matheus Pichonelli

22/08/2018 04h00

 

Foto: Reprodução

Assisti, tempos atrás, a um filme que fazia uma sátira dos tempos de Cristo. Em uma das cenas, um burocrata atrapalhado era responsável por fazer a triagem entre as pessoas que seriam libertadas e as que seriam crucificadas.

O controle era tão frágil que um condenado à morte resolveu brincar com o próprio destino. O diálogo era mais ou menos assim:

-E você, vai ser libertado ou crucificado?

-Vou ser libertado.

-Ah, pois não. É só entrar nessa fila.

-Estou brincando. Vou ser crucificado.

-Ah, sim, me desculpe. Então a fila é aquela.

A passagem é parte do filme "Vida de Brian", da trupe britânica Monty Python, e eu me lembro dela toda vez que ouço o deputado Jair Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência, dizer que vai resolver o problema da violência do Brasil armando o "cidadão de bem".

É uma categoria curiosa e auto-declaratória. Por aqui, como se sabe, o "cidadão do mal" é sempre o outro. Falta resolver quem vai organizar a fila.

– O senhor é cidadão de bem ou é daqueles que vão atirar por aí na primeira briga de trânsito ou com o vizinho que ouve som alto?

– Sou cidadão de bem.

-Ah, pois não, então a fila é por ali.

Parece cena de comédia, mas o atalho, além de não ter graça, abre um perigoso precedente.

Em tempos de eleições, é sempre bom desconfiar de quem oferece soluções fáceis para problemas complexos. Tomados pela desesperança, muitos começam a achar razoáveis propostas que se resumem a resolver tudo na bala, no controle de natalidade e na eliminação de mais gente.

No caso das mulheres, por exemplo, Bolsonaro diz que não é necessária a lei de feminicídio. Basta deixar que as mulheres carreguem armas na bolsa. Segundo ele, não existe cultura do estupro. Tudo se resolve com castração química.

As propostas, por mais radicais que pareçam, não chegam a arranhar a raiz do problema.

Basta conhecer um pouco a realidade do próprio país que se quer governar. No Brasil, do total de 22.918 casos de estupro registrados pelo sistema de saúde em 2016, 50,9% foram cometidos contra crianças de até 13 anos. As adolescentes de 14 a 17 são 17% das vítimas; apenas 32,1% tinham mais de 18.

Nos casos de crianças até 13 anos, 30% foram violentadas por familiares e pessoas próximas. Entre as adultas, 46% conheciam os agressores. Os dados fazem parte do estudo Atlas da Violência 2018.

Quem quer armar as vítimas terá, portanto, de saber que isso significa estender o porte de armas para crianças. E que as armas, guardadas entre brinquedos e travesseiros, podem ser aplicadas contra os padrastos e avós. Nada que pareça causar espécie ao deputado que, dias atrás, ensinou uma criança a simular uma "arminha" em cima do palanque.

A ironia é que os defensores de ideias como essa são os mesmos que fazem troça de leis como a Maria da Penha e de movimentos igualitários quando denunciam o assédio, a violência e as falhas dos canais de acolhimento e denúncia, pelo qual as vítimas ainda ouvem perguntas sobre se não estão exagerando, se estavam vestidas de forma adequada, se não receberam o que pediram ou se mereciam ou não a violência.

Há poucos dias, vale lembrar, um estudante da USP acusado de dopar e estuprar seis estudantes foi inocentado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo; uma das vítimas teve de depor OITO vezes no mesmo processo.

Será que não existe mesmo uma cultura que desvaloriza o depoimento da vítima e protege o agressor?

Enquanto não se combate a causa, as promessas para atacar as consequências parecem embaçar qualquer racionalidade do debate.

Tempos atrás, uma defensora pública escreveu, em sua página no Facebook, que compreendeu a inocuidade de projetos como castração química ao se deparar com o caso de um agressor que, incapaz de ter ereção, estuprava suas vítimas com cabo de vassoura. Concluiu, assim, que a violência sexual não tinha a ver com sexo ou "apetite sexual" – algo que supostamente pode ser inibido ou controlado. Tem a ver com poder.

É essa estrutura de poder que, em meio à ignorância das frases-feitas, estamos ainda longe de compreender para poder atacar.

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Sobre o autor

Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.

Sobre o blog

Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.