Bloquear ou não bloquear? Eis a questão nestas eleições
Matheus Pichonelli
09/10/2018 04h00
Foto: Getty Images
Namastê: a bolha em que eu habito saúda a bolha que habita você.
Neste início de século que prometia tantos compartilhamentos e tantas conexões, dificilmente alguém consegue circular fora de alguma bolha. O que nos une e separa são os muros. Dentro delas buscamos segurança, em posição fetal, como quando estávamos quentes e confortáveis na barriga da mãe.
A vida em rede é uma vida entre bolhas. Elas nos ajudam a manter a fé na humanidade porque, amparados pelo DataBolha, a humanidade parece se comunicar e manifestar opiniões à nossa imagem e semelhança; até que, BUM, aquele amigo de infância que não tínhamos mais contato, aquele parente que pergunta toda hora quanto você ganha, aquele colega de escola com quem você se desentendeu 18 anos atrás surgem do nada à porta da nossa bolha virtual com hashtags, palavras de ordem e acusações infundadas sobre nosso caráter, nossas preferências e até mesmo o mau gosto da nossa foto de capa.
Como lidar?
Desde que criei minha primeira conta em rede social, em 2004 (sdds Orkut), tenho como princípio manter em contato um leque diverso de vivências e opiniões. Bloquear ou desfazer amizades é para casos raros e extremos.
O problema é que, em tempos de eleição, todos os ânimos estão exaltados e raro é não lidar com extremos. Isso me levou a rever minha estratégia para redes sociais, além de passar os últimos dias ouvindo esta música:
Afinal, por que temos de aturar ataques gratuitos, quase diários, de quem jamais nos pergunta como estamos, como estão nossos filhos, se precisamos de ajuda para lidar com algum perrengue que publicizamos na nossa página?
Por que precisamos suportar deboche de quem não tem ideia, enfim, do que a gente passa e de como tudo o que a gente passa pode ser determinante para formar nosso discurso e pautar nossas ações?
Precisamos mesmo?
Viver em 2018 é viver em um exercício constante para não acabar só; nas redes, que deveriam encurtar distâncias, as pessoas realmente se mostram como são e o que pensam, e o que são e o que pensam pode ser assustador.
Em bando, estimulados por quem pensa como nós, nos sentimos corajosos para dizer "verdades", sem perceber que, sem ninguém para nos orientar e avisar que estamos passando vergonha, agimos na base da covardia pura. Por isso é bom ser confrontado. É bom ouvir o que não queremos ouvir para sair da bolha e da zona de conforto. É bom aprender com quem traz consigo a experiência do que não vivemos para lembrar que o mundo não acaba no nosso umbigo.
Mas que tipo de diálogo podemos esperar de quem, ao fim da eleição, corre para dizer que "nordestinos votam nesse partido aí e depois vêm pedir emprego para nós aqui no Sul"?
Que tipo de diálogo podemos ter com quem não quer sequer ouvir que aquela foto de gente urinando na cruz durante nossa manifestação é montagem?
Que tipo de diálogo e que tipo de relacionamento podemos ter com quem compartilha vídeo de político atacando os grupos que são mais atacados neste país de hierarquias e violências abertas?
Que tipo de argumento baseado na razão pode fazer frente com a raiva baseada no delírio da corrente falsa que acusa outro candidato de distribuir mamadeira em forma de pênis para crianças?
Que tipo de sabedoria podemos absorver de pessoas que, em nome de Deus, defendem tortura contra pecadores usando a imagem de um Cristo que morreu torturado por dialogar com os pecadores e enfrentar os doutores da lei?
Se você entrou aqui em busca de respostas, lamento decepcionar. O que tenho hoje é só uma lista de perguntas. Além da tristeza de quem pensava que a vida, e as pessoas ao meu redor, poderiam ser muito mais que isso.
Sobre o autor
Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.
Sobre o blog
Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.