Mulheres, negros e "tudo isso aí" terão seu ministério. O que esperar dele?
Matheus Pichonelli
28/11/2018 16h00
Foto: Adriano Machado/Reuters
O presidente que promete mudar "tudo isso que tá aí" se comprometeu também a criar um ministério que vai envolver "tudo isso aí, mulheres, igualdade racial, tá certo?".
A prioridade da pasta no futuro governo pode ser analisada por dois ângulos: pelos nomes aventados (todos homens) para a equipe e pela forma como o presidente eleito tem tratado "tudo isso aí".
Um possível ministro era Magno Malta, dublê de cantor que não conseguiu se reeleger ao Senado e agora é processado por acusar falsamente um pai de estuprar a própria filha. Outro, Marco Feliciano, já afirmou que africanos são amaldiçoados.
No passado recente, Jair Bolsonaro prometeu fazer as minorias se dobrarem às maiorias, atribuiu as demandas de grupos vulneráveis a "coitadismo" e descartou a necessidade de uma política específica para eles.
"Tudo é coitadismo. Coitado do negro, coitado da mulher, coitado do gay, coitado do nordestino, coitado do piauiense. Vamos acabar com isso".
No passado distante, ele disse também ser "homofóbico com muito orgulho", o que talvez explique a ausência de referência à população LGBT como item do ministério do "Tudo isso aí".
Só para lembrar, o Brasil é um dos países que mais mata homossexuais no mundo (445 casos de assassinatos só em 2017, segundo o Grupo Gay da Bahia). E, se for você for negro, tem 2,5 mais chances de ser assassinado do que uma pessoa branca.
A campanha eleitoral mostrou que não há números nem apelo à lógica que sensibilizem o grosso da opinião pública – e do eleitorado – sobre a questão. Pelo contrário: bater em quem mais apanha todo dia rende votos, seguidores, projeções para ministério e "oclinhos turn down for what".
O próprio guru do presidente, Olavo de Carvalho, responsável por indicar dois ministros ao governo, chama de "mentira idiota" o noticiário sobre assassinados de pessoas LGBT. "Quando você vai ver, quantos homicídios de gays tiveram? Duzentos e poucos, cento e poucos? Em um país que tem 70 mil homicídios por ano. Provando que o fenômeno não existe, mas continuam a fazer todo mundo se sentir culpado. Você é virtualmente um genocida".
Discursos assim não contam quantos heteros foram assassinados porque andavam de mãos dadas com os parceiros de outro sexo ou por darem bandeira demais da própria orientação sexual.
A preocupação é com a própria culpa. Ou com a distribuição imaginária de mamadeiras com formato de pênis nas escolas, um lugar onde, muito em breve, educação sexual será tema de censura.
Duvida? Aspas para o guru que acaba de emplacar o ministro da Educação: "Quanto mais educação sexual, mais putaria nas escolas. No fim, está ensinando criancinha a dar a bunda, chupar pica, espremer peitinho da outra em público".
Antes de formular o Ministério do Tudo Isso Aí, faria bem aos arquitetos do futuro governo fazer um estágio na lógica ou na realidade.
No dia 21 de novembro, uma menina de 12 anos de Vila Velha, na região metropolitana de Vitória, denunciou o próprio padrasto por maus tratos e abuso sexual. Ela conseguiu contar o que vinha passando a uma professora após assistir a uma palestra sobre violência sexual na escola pública. O homem está preso.
No Brasil, a maioria das vítimas de crimes sexuais é criança ou adolescente (cerca de 70%), de acordo com o Mapa da Violência. Em 78,6% dos casos os agressores são conhecidos delas.
Enquanto os homens do poder discutem o que pode ou não ser discutido em sala de aula, gatilhos como este mostram que o problema do país não é o que dizemos. É o que silenciamos.
Resta saber como "tudo isso aí" será discutido no futuro governo.
Sobre o autor
Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.
Sobre o blog
Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.