Ataques a eleitora de Bolsonaro agredida pelo marido são inaceitáveis
Matheus Pichonelli
15/01/2019 04h00
Foto: Reprodução/Facebook
"Isso deveria acontecer pra todas as mulheres que votaram no COISO. Deram embasamento pra isso!"
"Ora para o Bozo interceder pela sua vida!"
"Use esse evento para repensar a natureza de suas opções políticas".
"Reclamar que apanhou do macho é coisa de comunista, taokey?! Faz arminha com a mão e fica quietinha!"
Os comentários foram retirados de uma postagem no Facebook sobre uma agressão. A vítima, Thalia Gonçalves, de 21 anos, tinha postado duas fotos com o olho roxo, que ela conta que são resultado de socos e chutes desferidos pelo companheiro.
No relato, ela contou ter sido agredida por conversar com outro homem na balada. Foi arrastada para fora dali e seguiu apanhando no caminho até sua casa.
"Assim que eu acordei no chão, estava assustada e ele ficou 'bonzinho' querendo me ajudar, me tratando bem, comprou remédio para aliviar minha dor. Ali eu notei o quanto ele é psicopata!"
O caso foi parar na delegacia – e no tribunal do Facebook.
Seu pecado, como o leitor já deve ter percebido, foi ter votado em Jair Bolsonaro para presidente, como fizeram outras 50 milhões de pessoas em um ambiente altamente agressivo e polarizado.
Em sete dias, a postagem reunia mais de 850 compartilhamentos e quase 3 mil comentários – entre eles os selecionados acima.
Nos debates sobre a cultura da agressão, que por aqui chega ao absurdo de nomear homicídio de "crime passional", muito se fala sobre o processo perverso que é culpar a vítima pela agressão.
É como se a primeira pancada desencadeasse uma espiral de agressões, por gestos, palavras e omissões.
Tudo parece ficar ainda cruel quando o cenário político serve como anteparo para todo tipo de ofensa.
Como se a preferência política desse o direito de eleger também quem tem direito a ser gente ou não. Neste último caso, todas as agressões são justificadas e tratadas como educativas.
É verdade que, em meio às manifestações, muita gente demonstrou solidariedade à vítima. Mais que isso, se prontificou a desautorizar quem usou o episódio para referendar a opção política.
Mas a capacidade de mobilização mostra o estado permanente de tensão que, diferentemente do que muitos apostavam, não arrefeceu após as eleições, nem dá qualquer sinal de que irá arrefecer.
Com espíritos armados, tudo leva a crer que passaremos os próximos quatro anos rindo e fazendo troça toda vez que as fileiras "inimigas" forem reduzidas pelos únicos fenômenos que não reconhecem divergências ou cores de bandeira: a ignorância e a violência.
É como se a chancela para dizer "eu avisei" precedesse qualquer espírito de solidariedade, que deveria ser a base de nosso relacionamento.
O episódio é só um a mostrar que a polarização, quando atinge tal nível, não só emburrece. Ela também desumaniza.
Sobre o autor
Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.
Sobre o blog
Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.