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No país das candidatas laranjas, política é ainda “brincadeira” de meninos

Matheus Pichonelli

20/02/2019 04h00

O presidente da República Jair Bolsonaro e Gustavo Bebianno, durante cerimônia de posse, em Brasília. Foto: Fátima Meira/Futura Press/Folhapress

Braço-direito de Jair Bolsonaro durante a campanha, e ministro, até a semana passada, da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno foi demitido na última segunda-feira após ser envolvido no escândalo dos candidatos-laranja do PSL, o partido do presidente.

Candidatos, não: candidatas.

A suspeita é que, sob o comando de Bebianno, gente graúda da legenda reteve, não se sabe para quê, parte dos 30% de recursos obrigatórios do fundo partidário para candidatas mulheres. Segundo a reportagem da Folha de S.Paulo, cabia a elas apenas fingir que recebiam a verba e participavam da campanha, enquanto somavam votação pífia e ajudavam a eleger os chefes.

O escândalo causou não só a demissão do ex-homem-forte de Bolsonaro, mas uma troca de acusações na qual o ex-ministro chegou a ser chamado de mentiroso pelo filho do presidente e pelo próprio chefe. Respondeu, em áudios, com outra mensagem: "mentirosos são vocês".

A insegurança dos nossos governantes parece cena de quinta série, mas são só os homens mais poderosos da República brincando de soquinho no corredor do Planalto.

O pano de fundo é a enganação sobre o real empenho dos partidos em cumprir uma norma que deveria incentivar a participação das mulheres na política.

Como chegamos até aqui?

Se você fez essa pergunta antes dos primeiros 50 dias de governo, é preciso voltar algumas casas no tabuleiro da história.

Em outubro de 2018, o Brasil foi às urnas escolher seus novos representantes. Ao fim de todo o processo, muito se falou em "recado das urnas" e na urgência das mudanças contra tudo o que está aí. Quando o assunto é política, porém, um mesmo retrato se repete há anos, com parcos e raros avanços.

Esse retrato mostra que, dos 52 senadores eleitos, apenas sete eram mulheres – mesmo número de 2010 (o mandato de um senador é de oito anos). Na Câmara, dos 513 escolhidos pelo voto, 77 eram do sexo feminino (em 2014, eram 51).

No quesito representatividade, o Brasil avança aos trancos, mas há quem se contente com a figuração da primeira-dama no dia da posse.

Se pudesse ser ouvido, um dos muitos recados das urnas é que política ainda é um espaço hostil a mulheres e minorias (ao menos as que contestam esse abismo de representação), como pode ser comprovado pela desistência do deputado reeleito Jean Wyllys de permanecer em um país onde os novos mandatários fazem flexões para as câmeras, escrevem tuítes chamando feministas de feias e bobas, excluem o número 24 (o veado no jogo do bicho) de suas galerias, divagam sobre o perigo de meninos brincarem de boneca nas escolas ou serem doutrinados por um suposto (e inexistente) kit gay.

Enquanto o Brasil bradava pelo resgate do decoro – supostamente ofendido pelo vestido de uma deputada catarinense – em Brasília um deputado eleito, com chapéu e cara de poucos amigos, posava com a companheira no colo, como um enfeite (ou troféu?), para a cerimônia de posse. Nada mais simbólico.

Na Casa ao lado, os meninões do Senado quebravam tudo o que se conhece por decoro ao proferirem ofensas e ameaças em uma briga pública pela presidência.

Derrotado na disputa, Renan Calheiros foi chamado de arrogante em um texto da jornalista Dora Kramer sobre o ocaso do político alagoano (aquele mesmo suspeito de receber dinheiro de empreiteira para pagar pensão à amante). Como resposta, o senador usou seu Twitter para atacar a vida sexual da mulher que o criticava. Uma tática tão nova quanto a justificativa para expulsar Adão do Paraíso.

O golpe baixo ainda corria as redes quando a Folha de S.Paulo noticiou que Marcelo Álvaro Antonio, deputado eleito pelo PSL e atual ministro do Turismo do governo eleito pra mudar tudo isso que está aí, era suspeito de direcionar dinheiro do fundo partidário para quatro candidatas que, na verdade, não disputavam votos na eleição. O caso respingou em Bebianno e outros dirigentes da legenda.

Em poucos dias, mais detalhes da suspeita foram revelados. "Era o seguinte: nós mulheres iríamos lavar o dinheiro para eles. Esse era o esquema. O dinheiro viria para mim e retornaria para eles", afirmou em entrevista à Folha uma das supostas candidata laranja nas últimas eleições, a professora aposentada Cleuzenir Barbosa, 47.

O caso, aparentemente isolado em meio a tantas cenas promovidas por quem manda por aqui, faz parte de um mesmo e velho retrato.

Como resultado, a foto da cerimônia de posse, seja no Congresso, seja no Executivo, mostra que os slogans e as cores partidárias podem até mudar de posição; mas, por aqui, o poder é ainda uma brincadeira de meninos, uns mais mimados, outros mesmos.

Como foi mesmo que chegamos até aqui?

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Sobre o autor

Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.

Sobre o blog

Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.