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Matheus Pichonelli

Dez coisas para não fazer antes de morrer

Matheus Pichonelli

14/11/2018 04h00

Foto: Getty Images

Por algum motivo, minha timeline ficou cheia, logo depois da eleição, de listas de coisas para se fazer antes de morrer.

É difícil não relacionar tanta vontade de tornar públicos gabaritos individuais com a decepção com os rumos do país – como se o fracasso dos planos coletivos levasse a nos fechar para dentro e cuidar mais de nós mesmos.

Como? Com a ajuda das listas de coisas supostamente incríveis que uma pessoa (geralmente sozinha) PRECISA fazer para quebrar uma rotina cinzenta e entediada.

Eu, que não tenho dado pulos gratuitos de alegria por aí, resolvi abrir algumas dessas listas para encontrar algum roteiro e sair da ressaca pós-alguma-coisa-acumulada-debaixo-do-tapete desde os 7 a 1 da Copa de 2014.

Resultado: fracassei novamente.

A diferença é que agora sei o motivo do meu fracasso (e, consequentemente, da nossa ansiedade):

  • não li 5% dos livros que deveria ter lido;
  • não arranhei as prateleiras de filmes essenciais;
  • não provei nenhuma iguaria gastronômica que não levasse arroz, feijão, farofa, bife, maionese ou macarrão (a não ser quando misturo tudo no mesmo prato);
  • não fiz nada mais exótico do que pegar onda rasa ao estilo jacaré no Guarujá;
  • não sei cinco das 50 coisas que deveria saber e não sei;
  • não segui os sete mandamentos de Steve Jobs para vencer na vida;
  • não usei no passado nenhum dos 30 acessórios bregas que agora deveriam me envergonhar;
  • não fiz um 1% das 40 coisas imbecis que todo mundo deveria fazer por amor;
  • não segui nem quero seguir os 120 melhores perfis FUNDAMENTAIS do Twitter;
  • e, finalmente, não estou perto de deixar a vida sem déficit com as cem coisas (não dez nem 15, mas CEM) para fazer antes de ser enterrado como indigente narcísico.

Os autores das listas parecem sambar na nossa cara. Como assim você não viu ainda a Aurora Boreal? Nunca apreciou a vista do Grand Canyon? Nem nadou com botos cor-de-rosa?

Se você não fez Safari, viagem aos sete continentes, rolê pela Muralha da China ou pelas pirâmides do Egito, bem-vindo ao fantástico mundo dos losers das listas de internet.

Se você é do tipo que nunca viu a Monalisa nem frequentou a Broadway, não passe perto desse tipo de desafio num sábado à noite: você pode encontrar motivos para engolir o óleo da panela enquanto frita pastel para os parentes ou explica ao filho vidrado em Lucas Netto que não temos dinheiro para encher uma banheira com Nutella.

Os desafios de um fim de semana em família, aliás, valem uma lista raiz. No mínimo, um perfil de Instagram dedicado a eventos ordinários que qualquer um gabaritaria. Tipo:

  • recolher um tufo do que nos resta de cabelo na pia num domingo de manhã;
  • deixar queimar o feijão;
  • negociar uma pindureta na lanchonete;
  • trancar a vó em casa e esquecer a chave;
  • esmurrar o computador pra ver se a internet volta;
  • vomitar no barco (do pesqueiro);
  • fuçar no celular do(a) parceiro(a);
  • atender telefonema fictício para encerrar conversa mala;
  • postar foto de livro cabeçudo que nunca lemos;
  • fracassar na baliza;
  • cuspir sangue.

Se você não fez nada disso, nem gente você é. Todo o resto exige tempo e dinheiro, e o meu anda escasso até para ler lista.

Do mais, a vida é uma equação quase simples entre vontade e possibilidades.

Na minha cabe um pouco de culpa e muito de vergonha por alguma coisa que já fiz. As que não fiz, aceito o desafio se alguém me oferecer desconto, hospedagem ou passagens para três.

Sobre o autor

Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.

Sobre o blog

Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.