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Matheus Pichonelli

A pressionadíssima geração de adolescentes “mimimi”

Matheus Pichonelli

15/05/2018 04h01

Imagem: iStock

 

Entre todos os clichês que dominam qualquer conversa entre adultos, um dos mais batidos é dizer que a atual geração de adolescentes é a geração do "mimimi". Para os mais velhos, que ouviram chacotas parecidas de outros adultos quando adolescentes, os jovens de hoje são excessivamente mimados, melindrados, mal-acostumados, despreparados e frágeis diante de um mundo que deu tudo a eles, menos responsabilidade.

Pensamos isso porque, como jovens de qualquer época, essa geração teve acesso a uma série de "coisas" e facilidades inexistentes no tempo dos pais ou avós. Smartphones, por exemplo.

O problema é que, em uma sociedade de consumo, crescemos desde cedo com a ideia de que só seremos alguém na vida se tivermos mais acesso a mais "coisas".

Até lá é preciso ter um currículo parrudo de cursos, especializações, linguagens. Esse mundo altamente competitivo, hiperconectado e confinado em apartamentos e espaços vigiados, tem no vestibular um grande funil – um funil colocado nas bocas dos alunos cada vez mais cedo.

Numa ponta, crianças de quatro anos brincam cada vez menos, mas já devem saber sentar, obedecer, escrever e falar inglês – se não, ficarão atrasadas e serão convencidas de que têm algum problema. Na outra, adolescentes que acabaram de entrar no ensino médio são diariamente bombardeados com o fantasma do fracasso. E, na conversa constantemente repetida pelos pais e professores, fracasso é investir anos em escolas de ponta para entrar "apenas" na universidade particular da cidade.

Um casal de amigos conta que a filha de 15 anos telefonou para casa aos prantos, dias atrás, porque tinha tirado oito em uma prova de Física. Não era pouco, mas foi incutido nela que o desempenho era insuficiente não só para as outras provas que terá de fazer, mas para ser "alguém" na vida.

"Investimento", "resultado insuficiente", "fracasso". Reparem como estamos transferindo para a escola, um espaço afinal de socialização e formação da cidadania, uma linguagem corporativa, baseada em metas e cálculos de crescimento.

Para alcançar a meta final, esses jovens precisam viver como ascetas: pular de curso em curso, preencher os espaços vazios, afogar os momentos de tédio, as atividades gratuitas, os exercícios de autoconhecimento, os momentos sagrados de silêncio – esses que tentamos tardiamente resgatar com terapias e aulas (caríssimas) de meditação ao fim do expediente.

Um jovem de 15 anos não tem ainda a menor noção disso tudo. Deveria ter?

Nessa idade, lembro, não estava tão preocupado com essa bifurcação determinante para a vida adulta. A faculdade e a carreira estavam, claro, no radar, mas era possível conciliar a vida de estudante com uma vida de… adolescente – que não tem só responsabilidades presentes e futuras, mas namora, joga papo fora, anda sem rumo de bicicleta, vai ao cinema, joga bola na rua, lê por prazer e não por compromisso com a apostila.

E hoje?

Com a compressão desses momentos, tenho observado uma geração não mimada, mas pressionada, desesperada, ansiosa. O problema desses jovens parece ser a falta, e não o excesso de compreensão.

Quando jovens, eles precisaram desde cedo "dar resultado" para ser "alguém". Mas o que é ser alguém? Um nome entre os aprovados festejado nos anúncios da escola dos feras?

Após chegar lá, muitos resolvem ser adolescentes depois de velhos, com todos os transtornos que um adolescente retardatário pode manifestar ao tentar viver tudo de uma só vez.

Pior: essa pressão precoce não necessariamente ajudará a formar bons leitores ou bons profissionais – justamente porque bons profissionais reconhecem a complexidade da condição humana dos futuros pacientes, clientes, parceiros.

Quando percebem que a vida é mais do que isso, já é tarde demais. Tornam-se cidadãos frios como os meninos do filme "As Invasões Bárbaras" que, ao ouvirem o discurso de despedida do professor à beira da morte, perguntam apenas se o calendário de provas está mantido.

Sobre o autor

Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.

Sobre o blog

Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.