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Matheus Pichonelli

Na briga entre PSL e Bolsonaro, papel da mulher é ser laranja ou obedecer

Matheus Pichonelli

24/10/2019 04h00

A deputada Joice Hasselmann durante sessão de votação para presidente da Câmara dos Deputados. (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

 

Pivô do escândalo envolvendo candidatas-laranja no PSL (partido do presidente Jair Bolsonaro), o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, foi convocado a prestar esclarecimentos no Senado oito meses após a revelação, pela Folha, do suposto esquema. 

Para surpresa de ninguém, ele encontrou um clima de solidariedade na maior parte das 2 horas e 35 minutos em que permaneceu na Comissão de Fiscalização e Controle da Casa.

Denunciado pelo Ministério Público sob acusação de patrocinar, com dinheiro do fundo eleitoral, uma rede de candidaturas femininas de fachada em 2018, ele e os senadores chegaram a uma espécie de consenso durante a sessão: o culpado não é ele, são elas.

Elas, no caso, as beneficiadas pela lei da cota mínima para mulheres na campanha. Na versão dos deputados e do ministro, a maçã envenenada deu lugar à laranja "podre".

Pela regra, cada partido deve preencher o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo.

Detalhe: coube a uma deputada eleita pelo PSL, Alê Silva (MG), a denúncia contra o atual ministro do Turismo. Ela já anunciou que deixará o partido.

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Rachado por uma briga interna entre o deputado Luciano Bivar (PE) e Jair Bolsonaro, o PSL possui atualmente nove mulheres em uma bancada de 53 deputados eleitos (cerca de um sexto do total).

Uma delas, Joice Hasselmann, está com os dias contados na legenda após entrar em rota de colisão com os filhos homens do presidente.

A briga envolveu até uma guerra de emojis. 

No domingo, dia 20, o auge do tiroteio, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), conhecido como pitbull, postou em seu Twitter figuras de um porquinho rosa, um rato, uma cobra, uma galinha e um polvo (ou lula).

Já um de seus irmãos, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), pediu a seus seguidores que deixassem de seguir a "peppa", em uma alusão à porquinha do desenho animado "Peppa Pig". 

A resposta veio em forma de três veados, um rato branco e dois ratos cinzas.

As armas da gordofobia ricochetearam na trincheira da homofobia após a deputada, em um suposto ataque a um assessor especial de Bolsonaro, dizer que respeita somente os "viados assumidos".

Pois é.

O episódio mostrou não apenas que o país vive um surto de imaturidade no poder, mas que, na base do projeto que ia mudar tudo isso, está uma bomba de testosterona na qual a única função das mulheres é fazer figuração e/ou obedecer. Política, ainda, é brincadeira de meninos.

Se as mudanças começam nos movimentos políticos, no Brasil a discussão sobre representação está atrasada até mesmo em relação ao conturbado mercado de trabalho, que, em velocidade ainda aquém do desejado, tem conseguido diminuir o hiato em relação a homens e mulheres em questões como remuneração e cargos de chefia.

Dados levantados pela Folha na Rais (Relação Anual de Informações Sociais), em março, mostraram, por exemplo, que as parcelas de mulheres de 30 a 49 anos ocupando cargos de gerência e diretoria no setor formal aumentaram de 32,3% e 31,9%, respectivamente, em 2003, para 39,2% e 42,4%, em 2017.

No partido da "mudança", Joice, ex-lider do governo no Congresso, era uma das poucas lideranças em posto de destaque até decidir desobedecer a vontade do presidente e de seus filhos.

Vale lembrar que, no governo do capitão que classifica o Brasil como "a virgem que todo tarado quer", apenas 2 dos 22 ministérios são chefiados por mulheres –uma delas, porta-voz da ideia de que menina veste rosa e deve ser criada como princesa.

Em um ranking de participação de mulheres no Parlamento, elaborado em 2017 pela ONU Mulheres, em parceria com a União Interparlamentar (UIP), o Brasil aparece na 154ª posição entre 174 países analisados.

Segundo um estudo da Consultoria Legislativa da Câmara, a eleição de mais mulheres para a Câmara nas últimas eleições é explicada, em parte, pelo maior acesso a recursos públicos de campanha.

Nada que não possa piorar. Recentemente, a deputada Renata Abreu (Pode-SP) causou polêmica, na Câmara, ao propor a flexibilização das cotas em um projeto de lei.

A avaliação das participantes de uma audiência em agosto nas comissões de Defesa dos Direitos da Mulher e de Legislação Participativa é que o projeto, se aprovado, levará a um retrocesso na política brasileira.

"Os partidos estão querendo responsabilizar as mulheres para não serem responsabilizados. Essa escassez é produzida, um produto muito bem arquitetado pelos partidos políticos, para que quem está no poder –neste ano, 85% de homens– se mantenha no poder e não haja espaço para mais mulheres", resumiu, na audiência, a professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Lígia Fabris.

Para ela, não é verdade que as mulheres não se interessam por política. O que existe, afirmou, é um ambiente hostil às mulheres.

O trator bolsonarista, com suas referências e devoção a ídolos masculinos, é a prova disso.

Sobre o autor

Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.

Sobre o blog

Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.