Como será viver em um país livre do socialismo e do politicamente correto?
Matheus Pichonelli
04/01/2019 04h00
(Foto: iStock)
Jair Bolsonaro assumiu a Presidência prometendo nos livrar do socialismo e do politicamente correto.
Com o Capitão, missão dada é missão cumprida, e já no minuto seguinte pudemos sentir o wind of change, as asas da liberdade, o novo dia de um novo tempo que começou*.
No supermercado, em vez de filas, controladas no chicote, a entrada estava limpa, aberta a todos, sem distinção ou coitadismo.
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Dentro, ficamos, minha família e eu, espantados ao ver que estavam comercializando mais de uma marca de margarina. Era o fim do monopólio das Margarinas Petralhas, a única disponível no mercado em todos esses anos.
O atendente, que agora vestia uniformes da rede privada, e não o vermelho obrigatório do governo destituído há dois anos e meio, avisou que logo, logo poderemos adquirir também creme dental. Basta ter dinheiro. Só pode ser um sonho.
Nos últimos anos, ficamos tão acostumados com o socialismo e a ditadura do politicamente correto que já não sentíamos os efeitos da opressão.
Em menos de 24 horas o Brasil era outro, a começar pelo resultado da Mega Sena, que desta vez distribuiu riqueza e beneficiou mais de trinta brasileiros reais, e não um único felizardo de quem nunca – já reparou? – ouvimos falar.
A liberdade veio como uma lufada de ar num dia quente pela TV. Pudemos assistir, assim, à libertação de todos os humoristas presos, condenados e torturados por infringirem as regras do politicamente correto. Agora terão até programas em horário nobre, a exemplo de pastores e padres cantores que tiraram a mordaça da boca e voltaram, um a um, do exílio midiático.
Com a liberação, o Brasil finalmente está livre da Piroquinha, a mamadeira com bico de pênis que há anos tomou o lugar do Louro José para ensinar posições do kama sutra a adultos e crianças nos dois únicos canais autorizados pelos bolcheviques: A Rede Vermelha e a Globo Comuna.
Nesse novo tempo, meu filho, ainda com receio dos velhos cascudos da patrulha, veio me perguntar se poderia me chamar de "pai", e não mais de patriarca. Com lágrimas nos olhos, dei nele um abraço e prometi: "sim, meu filho. E vou poder também te chamar pelo nome que escolhi".
No mesmo dia, já com os papeis de pai, mãe e filhos restabelecidos, fomos jantar em uma rede de fast food americana, liberada após anos de domínio das gororobas estatais.
Na entrada, famílias consumiam Big Macs e outras variedades da mesma gordura em paz, sem que nenhum grupelho adolescente com a carteirinha de proteção dos direitos humanos pichasse nossos rostos ou praticasse orgias em cima da nossa mesa. O mundo realmente mudou.
No caminho, percebemos que até as igrejas foram desacorrentadas. A entrada agora é livre e gratuita; os corredores poloneses que se aglomeravam à porta para constranger os fiéis com ovos, farinha e gritos de CAROLA, PORCOS, ABERRAÇÃO HETERONORMATIVA foram mandados para Cuba e para a Venezuela.
Entramos para agradecer e vimos que as imagens de Marx e O Capital foram substituídas por crucifixos e por exemplares da Bíblia, ao menos as que sobreviveram à Grande Queima promovida pelos comunistas em 2003. Escolas e tribunais devem agora seguir o exemplo.
Nossas crianças terão acesso também a outras cantigas de ninar que não a Internacional Socialista. A liberdade, podemos dizer agora, é um DVD da Galinha Pintadinha.
Se tudo der certo, poderemos em breve tomar empréstimos em bancos privados, receber propagandas, comparar vantagens, desvantagens e as taxas de serviços. As transações não são mais proibidas e as instituições não só não são mais monopólio do Estado como esperam divulgar o lucro, e recordes de lucro, ano a ano a partir de agora. Já imaginou?
De tudo o que mais emociona a nossa família é saber que quem viveu esse tempo todo na mamata terá de arregaçar as mangas e trabalhar. Quem passou os últimos 30 anos protegido pelo cargo sem fazer nada, gastando o tempo em polêmicas toscas nas redes sociais, vai ter de mostrar serviço no novo dia do novo tempo que começou. Talvez sujem as mãos de graxa ou de caneta.
O enxugamento do Estado, esperamos todos, deve enxugar também as bolsas-mamatas como auxílio-moradia e a rede de assessores que no tempo dos bolcheviques movimentaram fortunas acima do rendimento e atribuíam o dinheiro à compra e venda de carros. A lei valerá para todos.
Livres da ditadura, começamos o ano com esperança de que agora poderemos ter acesso a sites e jornais (que não os oficiais), que o Google seja desbloqueado e que os estrangeiros que moraram esse tempo todo no nosso quarto de casal passem a respeitar a propriedade privada e voltem para suas barracas.
Se não for pedir muito, talvez o brasileiro, cansado de tanta restrição econômica, social e política, possa agora exercer o direito do voto e escolher, quem sabe um dia, os seus governadores, parlamentares, prefeitos e (já pensou?) o presidente.
O nome disso – agora podemos dizer sem risco de censura – é democracia.
É muita mudança para um dia só. Como na música do Alexandre Pires, que também deixou de ser proibida, nem sei o que fazer com essa tal liberdade.
*cuidado, esse texto contém ironia.
Sobre o autor
Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.
Sobre o blog
Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.