Com fixação por armas, Brasil copia o que EUA têm de pior
Matheus Pichonelli
13/03/2019 14h55
13.mar.2019 – Adolescentes atiram dentro da Escola Estadual Raul Brasil, de Suzano (SP). Foto: Mauricio Sumiya/Futura Press/Estadão Conteúdo
O Brasil parou novamente, nesta quarta-feira, 13 de março, para contar seus mortos.
Desta vez, em uma escola estadual de Suzano, onde dois ex-alunos assassinaram oito pessoas, entre estudantes e funcionários, com a ajuda de um revólver calibre 38 e uma besta, espécie de arco e flecha disparado por um gatilho, uma machadinha e quatro carregadores de munição conhecidos como jet loaders.
Não se sabe como os assassinos, ex-alunos da escola, conseguiram as armas, mas uma rápida pesquisa com a expressão "comprar jet loaders" na internet mostra que não é tão difícil botar em prática os planos mais abjetos que qualquer maluco, treinado ou não, pode ter na cabeça.
O extermínio acontece menos de três meses após um atirador deixar cinco mortos na Catedral de Campinas, mesma cidade onde, no Réveillon de 2017, um homem matou a tiros 12 pessoas da mesma família, entre eles a ex-companheira e o filho.
De lá para cá, o Brasil "avançou" apenas em um ponto quando o assunto é segurança: a expansão da posse de armas no país, com a intenção futura de ampliar também o porte.
Pelo decreto, uma das primeiras medidas de Jair Bolsonaro após tomar posse, em caso de residência habitada por criança, adolescente ou pessoas com deficiência, basta a pessoa que quiser ter arma declarar que possui um cofre ou local seguro com tranca para armazená-la.
Nada que cause preocupação: afinal, segundo o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, o risco a uma criança de ter arma em casa é o mesmo de se machucar com um liquidificador. Há quem prefira minimizar o risco dizendo que armas domésticas também produzem mortes e estão ao alcance na cozinha.
É com muito pesar, portanto, que informamos: nenhuma faca ou liquidificador tem tanto poder de destruição como as armas usadas pelos atiradores de Suzano.
Ainda assim, cada vez que um massacre como este acontece, não demora para que os defensores da ampliação da posse e do porte de armas se coloquem à disposição para triturar a realidade.
Nesses casos, o argumento mais comum é: "se os professores estivesse armados, nada disso teria acontecido". Em tempo: enquanto escrevia esta frase, soube que o argumento acaba de ser usado pelo senador Major Olimpio (PSL), um dos mais fervorosos apoiadores de Jair Bolsonaro, que passou a campanha inteira fazendo arminha com a mão.
Este tipo de raciocínio é a consagração da lógica do "cada um por si", para espanto de quem defende que cabe à polícia, bem treinada e bem equipada, o papel de garantir a segurança pública, impedindo justamente que armas caiam nas mãos de malucos ou gente mal intencionada. (Vale lembrar: um maluco desarmado é só um maluco; um maluco armado é uma bomba).
Em um país que registra mais de 60 mil homicídios por ano, há quem entenda, e tenha sido eleito para isso, que uma maneira de conter a epidemia é espalhando o vírus na base da pólvora.
É o mesmo argumento de quem acredita que arma na bolsa é o remédio para combater a violência sexual contra mulheres, esquecendo-se de que a maioria das vítimas é criança ou adolescente e boa parte das agressões é praticada dentro de casa por familiares.
Em muitos casos, porém, os defensores do "cada um por si" são os primeiros a culpar as vítimas e minimizar o crime quando elas decidem denunciar ou procurar ajuda.
A passos largos, o Brasil parece importar a mesma fixação por armas dos EUA, onde o acesso é facilitado e, segundo levantamento do "The Washington Post", é cada vez menor intervalo entre os tiroteios que deixam mais de dez mortos.
Em novembro, por exemplo, um ex-fuzieiro naval matou 12 pessoas em um bar em Thousand Oaks, na Califórnia, menos de duas semanas depois de outro massacre deixar 11 mortos em uma sinagoga em Pittsburgh.
Lá, como cá, associação entre armamento pessoal e segurança é uma ideia que não cabe na realidade, que a cada tragédia parece gritar na nossa cara que mais armas significa apenas mais mortes e mais famílias destruídas.
Isso deveria ser evidente em um país que há tempos prescindiu da obviedade para viver, e morrer, em uma realidade paralela.
Sobre o autor
Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.
Sobre o blog
Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.