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Tiros de homens rejeitados por mulher deveriam nos fazer repensar armamento

Matheus Pichonelli

08/05/2019 04h00

Foto: Getty Images

A festa por pouco não terminou em tragédia. No fim de semana, na badalada praia de Jericoacoara, em Jijoca (CE), três rapazes foram filmados disparando tiros para o alto após serem rejeitados por uma mulher.

Os vídeos foram, postados nas redes sociais, são a prova da combinação mortífera entre armas e a chamada masculinidade tóxica, dessas que não aceita não. A suspeita é que os atiradores sejam policiais.

Se eles, que recebem treinamento adequado para andarem por aí armados, podem aprontar uma dessas, o que dizer do tal "cidadão comum"?

Vendo as imagens, me pergunto qual país do mundo pensaria em facilitar o acesso a armas em um contexto já flagrantemente violento, em que ninguém parece disposto a resolver seus conflitos pessoais pela humildade e o diálogo.

Esse país é o Brasil.

Quase quatro meses após flexibilizar a posse de armas no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro assinou, nesta quarta-feira, um decreto que, entre outros pontos, dá permissão a colecionadores, atiradores desportivos e caçadores irem de casa ao local de tiro com a arma com munição, além de políticos eleitos, caminhoneiros, advogados, agentes de trânsito e jornalistas que atuam em cobertura policial.

Na prática, o decreto institui o porte de arma, que deveria ser restrito no país, a diversos grupos de profissionais. Atende, assim, a um pleito antigo das fabricantes.

Aos demais, resta torcer para que os portadores não parem em nenhum lugar entre a casa e o trabalho, que nesses locais não haja qualquer faísca de confusão e que as armas não sejam objeto de dissuasão para impor vontades e resolver questões pessoais.

O decreto assinado na quarta permitirá também que o proprietário rural possa utilizar a arma em todo o perímetro da propriedade e prevê quebra o monopólio da importação de armas no país.

Além disso, o direito à compra de até 50 cartuchos por ano passará para até mil cartuchos por ano.

A pergunta que me faço é: por quê?

O que uns chamam de direito, para outros é risco de vida. O desfecho da festa em Jericoacoara é prova disso na prática.

Vivemos, afinal, em um país onde, segundo pesquisa Datafolha divulgada em 2018, 42% das brasileiras com 16 anos ou mais declaram já ter sido vítima de assédio sexual. Os relatos mais comuns são sobre assédio nas ruas e no transporte público.

No grau de tensão atual, de escalada de casos de agressão, a segurança pública deixa de ser um assunto para autoridades e passa a depender dos humores de quem detém a munição.

Em caso de confronto, ganha quem sacar o revólver primeiro, como nos filmes de faroeste.

Se esta é a saída para a segurança, não vejo razões para alguém querer sair de casa no futuro próximo. Não é difícil prever que as cenas como a registrada na festa em Jericoacoara se tornarão, daqui em diante, cada vez mais comuns.

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Sobre o autor

Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.

Sobre o blog

Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.