E se o método Bolsonaro de assumir responsabilidade virar moda? E daí?
Matheus Pichonelli
30/04/2020 04h00
Foto: Isac Nóbrega
Foi o que disse Jair Bolsonaro quando perguntado sobre o número de brasileiros mortos na pandemia que ele um dia chamou de "gripezinha".
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Deve ser um novo slogan de governo, já que a mesma pergunta-resposta foi usada na véspera para justificar a escolha de um amigo do filho investigado para comandar a Polícia Federal. E daí?
O presidente dá o exemplo.
Se a moda pega, vai ser uma pandemia de incompetência justificada.
Se o médico esquecer o bisturi no paciente? E daí? Não pode agora? O operado já estava velho, tinha doença crônica e querem que o médico faça milagres?
E se o juiz julgar a causa dos parentes? Qual o problema? Antes os parentes do que gente estranha, não é mesmo?
Fico imaginando o que pensariam meus editores e (poucos, é verdade) leitores se hoje eu simplesmente avisasse que não vai ter crônica ou análise do que está acontecendo no Brasil. Era minha obrigação, sou pago para isso, mas e daí?
O que está acontecendo não é da minha responsabilidade. Está morrendo gente? Está.
Mas todo mundo vai morrer um dia.
Tem gente chorando?
Tem. E daí?
Lamento, mas o que posso fazer?
Não sou presidente. Nem que fosse. Presidente é Messias, mas não faz milagre.
Um dia vou morrer também. Até lá, posso usar a confiança que me deram para escrever num espaço de alta visibilidade para tratar de negócios e interesses particulares.
Por que não?
A gente precisava dar um up na economia brasileira e por isso quero contar aqui que sou agora garoto-propaganda de óleo de cobra, o melhor remédio para qualquer resfriadinho, inclusive coronavírus. São duas colheradas por dia e pronto. Minha vó que fez.
Invejosos dirão que não tem comprovação científica, mas isso é só porque não pedi licença ao establishment. Órgão regulador está aí pra ser implodido, não pra regular os negócios da família empreendedora brasileira.
(Os interessados em óleo de cobra, meu emplastro Pichonelli, podem deixar o número do telefone na caixa de comentário e nós entraremos em contato. Agradecemos, desde já, a preferência).
Queria fazer outro merchandising aqui, e trazer entrevistados especiais para discorrer sobre os atributos morais, literários e estéticos do autor (Amigos, claro. Queriam que fosse quem? Inimigos?). Mas preciso desligar o computador.
Em casa, tenho agora que me dobrar nos negócios, entreter e cuidar do meu filho e ainda dividir as tarefas domésticas.
Um dia essa patifaria vai acabar.
Já avisei que amanhã vou furar a quarentena, desfilar em carro de som, mandar empregado voltar para a trincheira e dançar com caixão simbólico com meus memes ambulantes em frente do hospital.
Minha "conge" já avisou que assim não dá, mas vou fazer o quê?
Já falei pra ela: bom era no tempo do Lula, né? Bom era o tempo da vó dela. Quando o PT roubava ela não falava nada.
Estamos há mais de mês falando em morte, morte, morte, e isso não está ajudando as senhorinhas que entram neste site UOL procurando um refresco, uma palavra de conforto, uma mensagem de otimismo ou um meme de bom dia abençoada que só encontram no WhatsApp, tá ok?
Então, para animar, vou contar que, sim, vou dar cerveja para meu filho de 6 anos para ver se ele pelo menos dorme depois do almoço e me deixa em paz com o controle remoto.
O menino já tem idade para isso, não tem coitadismo aqui, não. Mais dia, menos dia, vai descobrir que o mundo é isso mesmo, um eterno cada um por si com pequenos intervalos para a trollagem. Por que, então, não ensinar agora?
Daqui uns anos, ele vai vender óleo de cobra com o pai e a vó. Já mandei avisar a escola que pra lá ele não volta.
Escola, infelizmente, só serve para drenar dinheiro das famílias e ensinar ideologia de gênero. Querem transformar minha casa em uma Venezuela e isso não vou permitir.
Na minha casa mando eu.
Os vizinhos reclamam que estou trazendo muito amigo para casa.
AHAHAHAH.
Queriam que eu trouxesse quem? Inimigos?
Trago gente da minha confiança, a casa é minha, comprei vendendo muito óleo de cobra e não posso agora dar festa com meus sócios?
É o que eu falo: o politicamente correto está matando o Brasil.
O condomínio quer me obrigar a usar máscara na área comum. Era só o que me faltava. Vou comer meu pão com leite condensado como? Pelo olho?
O síndico vem falar de quarentena. Está mancomunado com o João Doria, que está mancomunado com o Witzel, que está mancomunado com os policiais da Mariela, que estava mancomunada com a China, que está mancomunada com o comunismo e agora quer limitar o direito de ir e vir dos perdigotos do cidadão de bem.
Estou falando tudo isso porque não estou a fim de comentar notícia alguma, não estou preocupado em dar satisfação para ninguém, nem para quem me confiou este espaço e amanhã pode dizer que jornalismo profissional não é lugar de moleque. Sabe o que eu vou responder? E daí?
Sobre o autor
Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.
Sobre o blog
Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.