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Matheus Pichonelli

Tensão política de fim de ano leva ONG a lançar campanha #DespolarizeONatal

Matheus Pichonelli

23/12/2019 04h00

Cena do filme "Álbum de Família"

Não é só a uva passa que promete polarizar os ânimos no Natal.

Nem as velhas perguntas sobre os namoradinhos/namoradinhas, sobre os perrengues profissionais e os relatos sobre as aventuras dos primos que não irão à ceia porque estarão ocupados demais vencendo na vida no primeiro mundo ou em plantões sem direito a descanso na startup.

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Com o noticiário político fervendo, a sobrinha universitária já não sabe como encarar o tio que compartilhou e aplaudiu Jair Bolsonaro quando ele disse que o estudante brasileiro faz tudo na faculdade, menos estudar. 

A avó também não sabe como descrever o neto que tirou no amigo-secreto sem lembrar que foi chamada de "gado" no grupo do WhatsApp.

O primo "isentão" que receberá todos em casa também não decidiu como agradar veganos e carnívoros depois que foi acusado de fazer vistas grossas e não espernear o suficiente contra as queimadas na Amazônia ou a corrupção dos governos anteriores.

Enfim: jantar de fim de ano é sinônimo de treta desde (pelo menos) a eleição de 1989. A diferença é que na época ninguém sacava o celular entre uma garfada e outra para provocar quem está quieto com memes e correntes de design duvidoso e procedência desconhecida.

A situação ficou tão séria que levou uma ONG a lançar a campanha #DespolarizeONatal. Parte do projeto Despolarize, a iniciativa conta com um "Guia Prático para Conversas Difíceis". 

A ideia é, às vésperas das festas de fim de ano, subsidiar, com material para compartilhamento nas redes sociais e WhatsApp e arquivos para download, conversas bem-informadas baseadas em "conhecimentos sobre ciência comportamental, negociação e comunicação não violenta".

O projeto é uma iniciativa da ONG Politize, que atua no campo da educação política e contou com mobilização e formação de "Embaixadores do Diálogo".

Segundo Rafael Poço, idealizador do projeto, a ideia é ajudar os embaixadores a fugir da polarização com argumentos e disposição a ouvir posições divergentes. 

Um dos assuntos espinhosos que pode azedar os ânimos, por exemplo, é o debate sobre prisão em segunda instância. "Com o Natal chegando, é bem provável que esse assunto apareça nas reuniões em família", alerta a organização, em sua página no Facebook. 

Com um emoji com sorriso e piscadinha, o grupo propõe uma conversa sobre o tema por meio de sete cards disponíveis em sua página, com informações sobre "o que são instâncias", se "todos os condenados serão soltos", argumentos contra e a favor da prisão após condenação em segunda instância e questionamentos sobre o que levou o parente a pensar assim, quais pontos da opinião são problemáticos e o que é mais difícil entender na posição de quem pensa diferente.

É uma forma elegante de evitar outro fim, que não o estômago, para o pavê servido diante de quem jura ter visto gente como o casal Nardoni e o médico Roger Abdelmassih andando livres, leves e soltos por aí enquanto o STF livrava a barra do ex-presidente Lula.

Entre as dicas do documento está exercícios como: "Antes de propor uma conversa reflita sobre suas próprias expectativas. Convide de forma sincera e estimulante, para não intimidar nem parecer provocativo. Se a pessoa recusar lembre-se: não é não"

Há também orientações sobre cuidados para não desqualificar o interlocutor e a atenção sobre o tempo de fala. "Que tal até 3 minutos para cada fala? É mais fácil ouvir com atenção quando sabemos que não vai durar para sempre. Só interrompa a outra pessoa se for para verificar o entendimento".

O objetivo do guia, segundo a ONG, não é buscar a neutralidade, mas entendimento — o que não significa exatamente encontrar concordância. "Desenvolver novas habilidades é como ganhar músculos. É preciso treino e pode ser desconfortável no começo", ensina a cartilha.

Bom Natal e boa sorte.

Sobre o autor

Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.

Sobre o blog

Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.