Já é futuro na Nova Zelândia. E ele é comandado pelas mulheres
"Manejado com sabedoria, o não é um instrumento de integridade e um escudo contra a exploração. Muitas vezes é preciso coragem para dizer. É difícil de receber. Mas estabelecer limites nos liberta."
Frases com esta podem ser lidas nos corredores da Wellington High School, uma das escolas públicas mais tradicionais da capital da Nova Zelândia. Na porta de uma das salas, um grupo feminista, que mantém também um jornal escolar, avisava que o próximo encontro aconteceria às 13h30 daquela quarta-feira. Ao lado, um adesivo dizia que "feminismo é para todos os gêneros".
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Do lado de dentro, o silêncio dos alunos em uma aula sobre Martin Luther King e a luta da população negra pelos direitos civis nos EUA não foi quebrado nem mesmo quando o professor de humanidades, Neil Bather, pediu licença para conversar com o visitante brasileiro. Com laptops, os alunos, de 13 anos em média, faziam um exercício proposto em uma projeção montada no Google Docs com um vídeo que o próprio professor editou. "Cada aula damos um exemplo sobre justiça. A última foi sobre Gandhi. Não é que queremos que os alunos saiam por aí fazendo protestos, mas que consigam identificar uma lei injusta, como ocorria nos períodos históricos estudados, e o que podem fazer para mudar", explica ele.
Na primeira fileira, era possível ver um garoto, aparentemente com déficit de atenção, acompanhado por uma mulher que o ajudava a tomar notas. Ninguém usava uniformes ali, e eu mesmo demorei a me localizar em um corredor onde os banheiros não identificavam gênero.
Em tempos de Escola sem Partido, a cena observada do outro lado do mundo poderia provocar um tilt no momento em que, por aqui, a moda é patrulhar professor. Como é isso por lá?, pergunto. "Esta é uma escola liberal. Os pais têm acesso ao conteúdo. Está tudo na nuvem. Se alguém achar que algo pode ser ofensivo a alguma religião, tem a opção de não assistir."
Quem abre as portas da instituição é Prue Isaacs, diretora responsável por acolher os estudantes estrangeiros da escola que liberou o uso de equipamentos eletrônicos em sala de aula há mais de dez anos. Uma dessas alunas é Lia Lomonaco, jovem paulistana de 17 anos que ainda tenta se adaptar à rotina, mas já sente a mudança de ambiente. "Aqui me sinto mais segura e respeitada", diz, num breve intervalo para o lanche do almoço, antes das aulas da tarde.
Nos galpões ao fundo da escola, meninas e meninos podem manusear serrotes, furadeiras e impressoras 3D. No pátio, algumas das invenções surgidas ali, como um patins gigante de metal, adornavam uma galeria de arte a céu aberto.
Lá aprende-se também desde cedo a costurar, desenhar modelos de roupas e cozinhar em aulas que pareciam um episódio do "MasterChef". Dava para sentir o cheiro de carne queimada já no corredor (ok, eles estão aprendendo ainda).
Passar uma tarde normal naquela escola fundada em 1886 ajuda a entender por que a Nova Zelândia, pequeno país da Oceania com menos de 5 milhões de habitantes, ocupa o top 3 das nações que melhor educam para o futuro, segundo a revista "The Economist". Uma das categorias que a publicação leva em conta é o chamado "ambiente sócio-econômico", que mede valores globais como igualdade de gênero, liberdade civil, diversidade e tolerância.
"Você está na Nova Zelândia em um momento interessante, no qual as três principais posições do país são ocupadas por mulheres", me diz Lisa Futschek, uma mulher de cabelos curtos e mecha cor-de-rosa que atua como gerente-geral da Education New Zealand, agência fundada em 2011 com o objetivo de internacionalizar o ensino local – e que me convidou para passar uma semana no país e conhecer seu sistema de ensino.
Lisa se refere ao trio de mulheres que ocupa atualmente os postos mais altos da política local: Jacinda Ardern, primeira-ministra; Helen Winkelmann, chefe do Supremo Tribunal Federal; e Patsy Reddy, governadora-geral – um cargo específico dos países do Commonwealth, como é chamada a Coroa Britânica.
Jacinda Ardern ficou conhecida como uma das mais influentes líderes globais após o atentado contra muçulmanos cometido por um extremista de direita em Christchurch, na ilha sul. Uma das medidas foi desarmar os espíritos e restringir o uso de armas no país.
Um ano depois, a Nova Zelândia é ainda uma das nações mais seguras e pacíficas do mundo, de acordo com o Global Peace Index, e ocupa a segunda posição entre os lugares com menor Índice de Percepção da Corrupção (IPC), da Transparência Internacional.
Em uma sala de reuniões de vidros espelhados, a poucas quadras do Parlamento, Lisa lembra que a Nova Zelândia foi o primeiro país em que as mulheres conquistaram o direito ao voto, em 1893. Hoje, dos 120 parlamentares do país, 46 são mulheres. "Há um longo caminho em termos de igualdade de gênero. De qualquer forma, é um país que vem liderando essa discussão", diz.
Diversidade e inovação
Tudo isso se reflete nas ruas, nas universidades e nos centros de tecnologia e inovação neozelandeses.
Ainda em Wellington, fui convidado a conhecer o Callaghan Innovation, uma agência de fomento a pesquisas dirigida pela especialista em tecnologia da informação Vic Crone que atende universidades e empresas que querem lançar novas tecnologias no mercado. Já no hall de entrada, uma cientista francesa que migrou para lá me mostra as peças de titânio que ela criou com impressora 3D – de componentes de navios e naves espaciais até ossos artificiais, como uma mandíbula nova para um cão acidentado. No local, os visitantes podem conferir ainda invenções como um bloco de concreto flutuante e um gerador de energia capaz de separar moléculas de hidrogênio e alimentar uma casa com um combustível pouco convencional: a água.
Em Hamilton, onde fica a Universidade de Waikato, maior campus do país, conheci uma pesquisadora brasileira, Maria Oliveira, que desenvolve um estudo com fibra de cânhamo, como é conhecida a cannabis sativa (o uso medicinal da maconha já é legalizado por lá). A ideia é produzir fibras naturais que possam substituir materiais produzidos à base do petróleo.
Já na Universidade de Auckland, localizada na maior cidade do país, ao norte, quem está no comando do prestigioso Instituto de Bioengenharia é a professora Merryn Tawhai. Numa sala do sexto andar do instituto, ela lista algumas das pesquisas desenvolvidas ali, como um "chiclete eletrônico" que ajuda pessoas com limitações de movimento a atender o telefone ou controlar a direção de uma cadeira de rodas, e um dispositivo que gera toques nos corpos de crianças com deficiência auditiva para que elas possam aprender a tocar um determinado instrumento com o pulsar do som. As tecnologias são carregadas remotamente e enviam dados sem a necessidade de fios, ela explica.
"É preciso ter um olhar ao mesmo tempo extremamente técnico e científico para desenvolver as tecnologias, mas também intensamente humano e acolhedor, para entender quais são as dificuldade que mais afetam algumas pessoas, e como amenizá-las por meio da ciência", diz Tawhai.
Em volta dali, era possível observar rostos de estudantes de diversas nacionalidades em ruas onde campanhas de combate ao racismo e à islamofobia estão espalhadas desde os postes de energia. Um deles podia ser lido em frente a um templo maori, localizado em uma área da Auckland University of Technology. Após anos de luta, eles hoje têm a língua oficialmente reconhecida, e inspiram os programas, o design e até a arquitetura das universidades.
Desde 2005, a Nova Zelândia possui um programa que permite aos doutorandos de outros países pagarem os mesmos valores que os habitantes locais. Hoje, 48% dos pesquisadores de PhD (doutorado) no país são estrangeiros. Com o fim de programas como o Ciência Sem Fronteiras, o Brasil é um país que tem gerado cada vez mais interesse na Nova Zelândia.
Foi esse clima que atraiu a sergipana Catharina Schultz, de 21 anos, a estudar design na Massey University, em Wellington – conhecida como a cidade dos artistas e dos designers. Ela seguiu o exemplo da irmã mais velha, que vive em Auckland, e não pensa em voltar.
"Um dos aspectos que nos diferenciam é o método pedagógico, que encoraja os alunos a pensar de modo criativo, em vez de apenas sentarem e copiarem as informações. É um sistema de aprendizado baseado na investigação do próprio aluno, o que ajuda a formar cidadãos com pensamento crítico, inovadores", afirma Lisa Futschek.
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