Bolsonaro, o presidente que não tem amigos
Jair Bolsonaro é um presidente sem amigos.
Não tem semana que não ficamos sabendo de algum aliado enxotado pela porta dos fundos da lista de considerados do capitão.
O último foi Luciano Bivar, presidente de seu partido, o PSL. Não sei vocês, mas me corta o coração ver dois amigos de longa data (18 meses), com um memorial de fotos sorridentes e apertos de mãos sinceros e desinteressados, brigarem por picuinhas como o comando de diretórios de uma legenda que engordou a bancada, está envolvida em suspeitas de candidaturas-laranja e tem estimados R$ 500 milhões a receber nos próximos anos do fundo eleitoral.
Não sei vocês, mas já vi colegas de trabalho se estapearem e voltarem às pazes por menos. (No campo profissional, qualquer amizade é eterna enquanto dure um plantão ou o churrasco de fim de ano).
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Pois outro dia mesmo foi o antigo presidente da mesma legenda, Gustavo Bebianno –que coordenou toda a campanha vitoriosa do capitão–, quem se afastou do presidente que ajudou a eleger. Ao ser demitido, disse que o ex-amigo "se mostrou muito arrogante". "Na campanha e na pré-campanha, ele sempre foi bastante humilde. Eleito, ele revela um ar autoritário e agressivo desnecessariamente."
Quem, tendo acompanhado os 30 anos de vida pública de um fã do torturador Brilhante Ustra, poderia imaginar coisa parecida?
Outro que assinou um divórcio litigioso com Bolsonaro foi o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, demitido com menos de seis meses de governo após entrar em atrito com os príncipes, digo, os filhos do presidente. Na saída, ele classificou a administração como "um show de besteiras". "Todo dia tem uma bobagem ou outra para distrair a população", lamentou.
Uma amizade que também durou menos que uma tatuagem de henna foi a com Alexandre Frota, deputado expulso do PSL que migrou para o PSDB e agora faz as vezes de conselheiro amoroso dos filhos do capitão. A um deles o ex-ator, uma espécie de Forrest Gump versão dublada, sugeriu assistir a um filme seu para relaxar se masturbando.
Por discordarem do capitão, Bivar, Bebianno, Santa Cruz, Frota e companhia foram mandados para o mesmo gulag afetivo onde já moravam o papa Francisco, a Madonna, o Chico Buarque, o presidente da OAB, Roger Waters, a ex-presidente do Chile, a ONU, a Alemanha, a Noruega (e a Dinamarca, por tabela), a Globo, a Folha de S.Paulo, a revista The Economist, o New York Times, toda a esquerda, os nem tão esquerda assim, mas que são automaticamente pintados de vermelho-inimigo por se negarem a rezar a cartilha de Olavo de Carvalho, o que inclui tucanos, peemedebistas, democratas e até o Lobão.
Se ganhasse um real para cada ex-amigo decepcionado, Bolsonaro não precisaria brigar por fundo partidário algum, e o déficit zero prometido por Paulo Guedes não pareceria tão distante assim.
Na ausência de uma diretoria que contorne conflitos após a turma do fundão tomar o poder, não há outra solução para a verve bolsonarista, se quiser chegar a 2022 sem novos desfalques, do que apelar a uma terapia radical: se trancar no quarto do castigo e escrever na lousa, quantas vezes forem necessárias, uma antiga música do Oswaldo Montenegro que dizia:
"Faça uma lista de grandes amigos
Quem você mais via há dez anos atrás
Quantos você ainda vê todo dia
Quantos você já não encontra mais?"
Não vale citar parentes nem amigos imaginários, desses que prometem levar seu nome para a OCDE e depois desconversam. Nem auxiliares que ouvem em silêncio todo tipo de constrangimento, como serem chamados de chucros ou de ingênuos ou terem o trabalho a todo instante interrompido com a ordem "quem manda sou eu".
O nome disso não é amigo. É súdito.
Bolsonaro, em menos de dez meses de governo, já mostrou que não quer amizade. Quer vassalagem.
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