Gratidão, cancelar, mindset: 20 expressões para esquecer em 2020
Matheus Pichonelli
29/12/2019 04h00
(iStock)
Perguntei no Facebook quais expressões superexploradas (não exatamente criadas) em 2019 os brasileiros gostariam de apagar do dicionário em 2020. O Brasil (na verdade, minha lista de amigos) respondeu. A lista, dessa vez, foi grande, mas selecionamos alguns verbetes. A eles:
Gratidão
Palavra mais citada da enquete. Aparentemente a bronca não é com as mãozinhas do emoji em si. Um amigo tentou explicar: "custa falar 'grato' ou 'muito obrigado'? Daqui a pouco, quando alguém quiser falar que se sente sozinho, vai dizer 'solidão'; emocionado, 'emoção', e por aí vai". É como se a morte do verbo agradecer fosse também a morte do sujeito agradecido — e gratidão não tem sido exatamente o gesto da moda.
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Resiliência
Pela definição, é a "propriedade que alguns corpos apresentam de retornar à forma original após terem sido submetidos a uma deformação elástica". Em 2019, a deformação foi tanta que quem não se acomodou e ficou por lá agora se questiona o que mais precisa aprender da derrota até parar de doer.
Cancelar
A pena de morte ainda não foi instituída no Brasil, mas muita gente parece ter substituído o velho e bom "se liga, você está dando mancada" por um jogo de bloquear/deletar/esfolar de realidade ampliada. Caetano dizia que de perto ninguém é normal; em 2019, todo mundo de perto se tornou em algum momento (do presente ou do passado revelado) cancelável, a ponto de nosso círculo social se resumir nós mesmos e nossa regra moral. É o famoso jogo do resta um.
Tóxico
Expressão importante para alertar sobre condutas que indicam relações abusivas, mas que com o tempo se tornou uma muleta para todo tipo de conflito dos relacionamentos humanos ou profissionais: nem tudo o que não proporciona a felicidade máxima e a autoestima plena é sinal de que tem alguém querendo apenas a destruição do par ou funcionário. Muitas vezes uma DR resolve.
Top
Já devia ter saído de cartaz em 2010. Como permanece, não custa insistir.
Instagramável
Se os melhores momentos da sua vida só valem se couber numa foto de rede social, parabéns: sua vida não serviu para nada.
"Tá pago"
Dica: se você não registrar nas redes o esforço das horas da academia elas não vão se converter em tecido adiposo.
Mindset
Que tal mudar o mindset e buscar nos manuais de motivação outra palavras menos batidas para expressar termos igualmente batidos tipo mudar a chave ou pensar fora da caixa?
"Simples assim"
Faça o teste: qualquer textão que precede o arremate "simples assim" tem um total de 0 criatividade e inteligência. Simples assim.
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Drivar
Expressão que se tornou recorrentes nas bolhas corporativas. Um amigo explica: vem do inglês "to drive", direcionar algo. "Aí os brazuca Faria Limers já usam em português: você tem que drivar (draivar) seu mindset a partir de tal coisa…" Não, né?
"Sobre ontem"
Legenda preguiçosa para qualquer flagrante. Do solstício na Islândia ao tufo de cabelo que entupiu a pia.
Amor define
Ou ódio. Ou ranço.
Ranço
Talvez a palavra mais compartilhada de 2019. Já dá para questionar o quanto o mau humor de fim de ano foi inflacionado pelo tanto de ranço espalhado nas redes sem tratamento digestivo adequado.
"Ninguém tem coragem de dizer mas eu tenho"
Ah vá.
Full pistola
Um absurdo usar esse neologismo com um pé no estrangeirismo quando a língua portuguesa tem uma expressão maravilhosa como "virado no Jiraya".
Melhor/pior pessoa
Mentira. Você que é puxa-saco.
Furar a bolha
Quer furar a bolha? Compre um bilhete único.
"Vai ter textão sim"
Escreve aí, fera. Ninguém tá te segurando.
Hamburguer do futuro
Bom, essa eu deixo para a Paola Carosella.
É pro meu TCC
Na primeira vez foi engraçado, depois cansou e agora não engana ninguém: todo mundo sabe que estamos só sem ideia para a coluna da semana.
Em tempo. Outras expressões citadas por amigos, mas que valem ser só repensadas para não serem banalizadas: gatilho (nem tudo é trauma, nem tudo pode evitar tristeza) e empatia. Não que a gente não precise de mais empatia, mas porque nem todo conflito pode ser evitado, e nem todo confronto significa desejo de eliminação. Às vezes, simplesmente, o santo não bate, e podemos viver respeitosamente sem forçar a barra longe um do outro.
Sobre o autor
Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.
Sobre o blog
Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.