Por que procuramos no Google a receita para as pessoas gostarem de nós?
Que lições os termos mais procurados no Google em 2019 podem oferecer sobre o ano que está prestes a acabar?
Que o brasileiro não sabe o que é libido? Talvez.
Que o governo Bolsonaro pautou a nova gramática do ativismo online com termos como golden shower, AI-5 e democratização? Também.
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Mas de todos os termos mais buscados nenhum diz mais sobre o ano de 2019 (e, provavelmente, 2020 e os anteriores) do que a terceira maior dúvida dos brasileiros na categoria "como fazer?". Segundo a plataforma de buscas, uma das expressões mais procuradas pelos brasileiros foi: "Como fazer que as pessoas gostem de mim?"
Mas por que as pessoas estão perguntando como podem fazer as pessoas gostarem delas?
Por que o Google se tornou, além de um buscador de informações, notícias e verbetes, um oráculo para dúvidas assim?
Na dúvida, joguei a pergunta no Google e descobri, em 0,44 segundos, que existem 3,7 milhões de respostas possíveis.
Provavelmente nenhum desses resultados tem mais significado do que a cara das pessoas que amamos quando pisamos na bola: a linguagem facial, os gestos, a economia dos sorrisos são, ou deveriam ser, nosso corretor automático dos esforços mediados por tentativa e erro das interações humanas.
"Você está bravo (a) comigo?"
"Não."
Quem já teve diálogos assim depois de uma mancada sabe que existem mais tons de "não" entre o céu e a terra do que supõem nossos vãos algoritmos.
Talvez seja isso o que falte para nós em tempos de hiperconexão, superinformação e mercantilização dos afetos, a ponto de até um abraço se tornar um serviço com preço tabelado e procura online.
Na virada da década, sobretudo com a popularização das redes sociais, vivenciamos, por alguns instantes, a ilusão de que, com tantas comunidades, fóruns de discussões e grupos temáticos de WhatsApp (da família, do trabalho, do time do coração, dos gostos inconfessáveis e das crenças mais pessoais, do terraplanismo ao movimento antivacina), o mal dos séculos passados estaria erradicado de vez: com tantas afinidades online, nunca mais andaríamos a sós, e a solidão no futuro seria coisa do passado.
Faltou combinar com as tantas certezas que os algoritmos ajudaram a concretar como muros em nossas fortalezas narcísicas, essas que bloqueiam, descurtem, cancelam e se afastam de tudo o que não se enquadra numa pureza moral que nenhum ser vivo é capaz de atingir em vida –a não ser que finja muito bem nas próprias redes.
Lembro então do que dizia minha amiga Safira Lyra, psicóloga e psicanalista há quase 35 anos, sobre os riscos de nos frustrar com o que ela chama de "completa banalização da nossa experiência diante da toxidade das informações, falsas ou verdadeiras, a ponto de não saber mais o que é real".
Contra essa banalização, ela defendia que era preciso viver mais do lado de fora da virtualidade, observar a temperatura, o trânsito na rua, os acontecimentos nas calçadas, os cafés. O que precisamos, dizia ela, é desacelerar e nos desobrigar a ouvir o tempo todo notificações e corresponder e compartilhar o que, no fundo, "são apenas fragmentos de pensamento".
A outra opção é cair na conversa das páginas que juram ter a resposta, em forma de listas, para nossas dúvidas existenciais, com truques do tipo imitar, elogiar, manter o bom humor, sorrir, contar segredos e esperar coisas boas das pessoas.
Resta saber o que fazer quando somos descobertos ou descobrimos como são as pessoas — reais, contraditórias, carentes de aprovação e assoladas por medos e dúvidas — depois da segunda página de resultados. Se alguém tiver a resposta, é porque toda a literatura produzida desde a "Odisseia" não serviu para nada.
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