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Popularidade de Damares Alves precisa ser entendida para além da caricatura

Matheus Pichonelli

19/12/2019 04h00

A ministra de Mulheres, Família e Direitos Humanos, Damares Alves. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Damares Alves ficou conhecida como a "ministra da goiabeira" antes mesmo de assumir o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Isso por causa de uma fala antiga que correu as redes na qual ela contava como tinha subido num pé de goiaba para se matar após sofrer uma série de violências sexuais na infância. No depoimento, ela dizia que foi demovida da ideia após receber uma revelação de Jesus –o que se tornou motivo de chacota no tribunal das redes sociais.

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Um ano se passou, e Damares hoje é uma das ministras mais conhecidas e mais populares do governo Bolsonaro. No geral, 43% dos entrevistados na última pesquisa Datafolha avaliam seu trabalho como ótimo/bom –índice superior ao do chefe, Jair Bolsonaro (30%).

Os números da ministra são melhores entre pessoas de 35 a 44 anos (47%), entre quem estudou até o ensino fundamental (46%) e entre evangélicos pentecostais (56%). Ela é também a única ministra do governo que é mais bem avaliada entre os mais pobres do que entre os mais ricos (42% entre quem ganha até dois salários mínimos).

Um deputado certa vez me disse, entre risos, que Damares era conhecida no Congresso como  integrante do quarteto do Apocalipse do governo Bolsonaro, ao lado de Ricardo Salles (o antiambientalista do Meio Ambiente), Abraham Weintraub (o ministro da Educação que não gosta de professores) e Ernesto Araújo (o chanceler que tem pavor do globalismo). Nenhum deles compete com a ministra em popularidade (Salles, por exemplo, tem o trabalho aprovado por 27%).

"Maluca" é um dos adjetivos mais amenos atribuídos à ministra toda vez que ela se envolvia em polêmicas do tipo: "Frozen" é parte de uma conspiração do demônio para alavancar o lesbianismo, a "nova era" do Brasil determina que "menina veste rosa e menino veste azul" ou a "gravidez é um problema que dura só nove meses"

É difícil mensurar o quanto esse tipo de bobagem ajudou a tornar a ministra conhecida e, principalmente, o quanto afeta sua popularidade, para o bem ou para o mal.

Mas a impressão é que a ministra é uma figura mais complexa do que supõe, ou gostaria de supor, parte de seus opositores. Uma mostra disso é a entrevista que ela concedeu ao repórter Ricardo Senra, da BBC Brasil.

Destaco algumas frases ditas por ela:

"Cadê os gays indígenas? Onde estão as meninas lésbicas indígenas? Por que não se falou nisso no Brasil? Eles são hostilizados em algumas comunidades e precisamos cuidar deles."

"No centro urbano, percebemos que o grupo que mais sofre violência são as travestis. Começamos a conversar com elas: por que sofrem tanta violência? Esse público é caro para mim".

"Existe preconceito para empregar uma travesti. Então, estamos cuidando desse público especificamente: trazendo programas de capacitação, empregabilidade, conversando com o setor empresarial".

"Existe a violência física, que todo mundo vê, o soco no rosto, a marca, os sinais e cicatrizes, mas existe a violência psicológica e emocional contra a mulher, que se fala muito pouco no Brasil."

"Quando um parlamentar sobe na tribuna e começa a esbravejar por direitos, todo mundo aplaude e fala que este homem é guerreiro e valente. Se uma parlamentar sobe na tribuna e grita por direitos, é histérica."

As falas parecem distantes do estereótipo de uma ministra autodeclarada "terrivelmente cristã". Também passam longe da ignorância e desrespeito demonstrados por colegas como Salles e Weintraub quando falam dos assuntos dos quais deveriam cuidar. 

Na mesma entrevista, Damares coloca como pauta de direitos humanos questões como saneamento básico e luta contra a corrupção, temas que, ao menos no discurso, mobilizam os eleitores e não têm encontrado eco nas plataformas da oposição — não a ponto de evitar a derrota de 2018.

Ah, sim: Damares, que é evangélica, também demonstrou entusiasmo em poder se encontrar com o papa Francisco, que já foi chamado de "comunista" pelos bolsonaristas mais ferrenhos em razão de suas posições consideradas progressistas em defesa dos mais pobres. "Gosto demais dele."

A ministra ainda escorrega quando ignora as lutas de movimentos populares, fala da tal "cura gay" ou quando questiona se há maior exemplo de empoderamento do que ela — um empoderamento ainda à sombra de um presidente que já declarou preferir ter um filho morto a um filho gay, que chama educador de energúmeno, que renega o papel das universidades, que defende garimpo em terra indígena, que atribui o nascimento da filha a uma "fraquejada" e que formou um governo majoritariamente masculino no primeiro escalão. 

Mas a caricatura pintada sobre Damares passa longe de explicar sua conexão com as classes mais populares. É o mesmo erro de quem prefere tapar o nariz em vez de investigar por que, numa época de crise econômica e ausência do Estado, a rede de apoio das igrejas evangélicas, da qual a ministra parte, ajuda a atrair e acolher novos adeptos em situação de vulnerabilidade social.

Enquanto esses fenômenos forem analisados sob a ótica do deboche e da arrogância, os grupos ditos conservadores seguirão ganhando de lavada, nas urnas e nas pesquisas de opinião.

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Sobre o autor

Matheus Pichonelli é jornalista reincidente e cientista social não praticante. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, portal iG, Gazeta Esportiva, Yahoo e Carta Capital. Araraquarense, desistiu de São Paulo após 12 anos e voltou a morar no interior, de onde escreve sobre comportamento, cinema, política e (às vezes) futebol.

Sobre o blog

Este blog é um espaço de compartilhamento de dúvidas, angústias e ansiedades vivenciadas em um mundo cada vez mais conectado, veloz e impessoal.